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sábado, 16 de março de 2024

Os impactos desastrosos da interferência do governo na Petrobras e na Vale - Juliana Machado e Pedro Gil (Veja)


Os impactos desastrosos da interferência do governo na Petrobras e na Vale

Gestão Lula mexe na distribuição de dividendos da petroleira e embaralha a sucessão do presidente da Vale. Péssimo para as empresas, pior para o Brasil

Por Juliana Machado e Pedro Gil

Veja, 16 março 2024


Poucas empresas na história do Brasil, talvez nenhuma, foram tão maltratadas pelos governantes de ocasião quanto a Petrobras. Desde a sua criação, em 1953, pelo presidente Getúlio Vargas, a petrolífera tem sido alvo de pressões políticas que frequentemente determinam os caminhos que ela deverá seguir. Foi assim com o próprio Getúlio, que inventou a campanha “o petróleo é nosso”, e com os governos militares, que fizeram a estatal trabalhar a favor do slogan “Brasil grande”. Os governos petistas, contudo, têm especial predileção por mexer com a companhia. Nos dois primeiros mandatos do presidente Lula e na gestão Dilma, o esquema conhecido como petrolão custou aos cofres da Petrobras, segundo investigação da Polícia Federal, prejuízos estimados em 43 bilhões de reais. Apesar das péssimas experiências no passado, o PT decidiu novamente usar a empresa como instrumento político — com impactos econômicos, mais uma vez, desastrosos.

Há alguns dias, a estatal anunciou, em conjunto com a apresentação do balanço do quarto trimestre, que não pagará dividendos extraordinários aos acionistas, ou seja, não distribuirá recursos acima do mínimo estabelecido no seu estatuto social. A decisão tomada pelo conselho de administração atendeu a um pedido do presidente Lula e contrariou avaliações técnicas feitas por boa parte dos diretores e conselheiros da empresa, incluindo o seu próprio presidente, Jean Paul Prates. A inapropriada ingerência de Lula fez a Petrobras perder, em apenas um dia, 56 bilhões de reais em valor de mercado em razão da queda de 10% do valor de suas ações na bolsa de valores. “A Petrobras faz política social ao pagar impostos e royalties e ao gerar empregos e investimentos”, afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura “Agora, o governo quer voltar ao passado com uma política que nunca deu certo.”

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O argumento de Lula para cortar o pagamento de dividendos é que os recursos que seriam distribuídos aos acionistas voltarão ao Brasil na forma de investimentos feitos pela Petrobras. Trata-se de uma visão torta — os gestores da empresa, e não o presidente da República, deveriam estabelecer o destino do dinheiro e a partir de critérios meramente técnicos. Note-se também que o próprio governo federal sai perdendo. “O governo está tentando aumentar a arrecadação, mas nega receber os dividendos da empresa que poderiam ser usados para ajudar a fechar as contas do país”, disse a VEJA Roberto Castello Branco, ex-presidente da Petrobras. “É uma decisão irracional.” Castello Branco conhece bem a mão pesada dos políticos. Ele foi demitido do comando da companhia pelo então presidente Jair Bolsonaro, que o instava a reduzir o preço dos combustíveis. O executivo resistiu quanto pôde. “Essas pressões prejudicam o ambiente de negócios e afugentam investidores”, afirma. “Iniciativas intervencionistas são perniciosas para a avaliação de riscos.”

O cenário de ingerência não está restrito à petrolífera. A Vale, outra empresa estratégica para os políticos, também tem sofrido com o barulho provocado por Lula, que tentou emplacar o ex-ministro Guido Mantega no comando da companhia e com suas atitudes tem embaralhado o processo sucessório do atual presidente, Eduardo Bartolomeo. No caso da Vale, as investidas de Lula são ainda mais chocantes. Trata-se de uma empresa de controle privado, que não deveria dar satisfação aos palpiteiros de Brasília. Lula, de fato, tem provocado estragos com seu jeito peculiar de fazer política. Em carta de renúncia apresentada aos colegas, o conselheiro independente da Vale José Luciano Penido afirmou que a transição na mineradora vem sendo conduzida “de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa, e sofre evidente e nefasta influência política”.

Sob os ruídos políticos, e mais queda de preço do minério de ferro, a Vale recentemente viu evaporar 69 bilhões de reais em valor de mercado desde a cotação mais alta de suas ações. Ou seja, quem tem recurso investido na empresa perdeu dinheiro. “Minha impressão é que incomoda ao Penido não só a intervenção do governo, mas os interesses de cada um dos acionistas que têm representantes no conselho e olham para si próprios e para suas empresas, como é o caso de Cosan, Bradespar e Mitsui”, afirma um gestor de ações de uma grande casa. “É uma empresa disfuncional no modelo de governança.”

Não é difícil ver os impactos danosos das ingerências políticas em empresas que deveriam caminhar com as próprias pernas. Como gigantes da bolsa, ao ser abaladas, Petrobras e Vale acabam afastando investidores locais e estrangeiros e contaminando, assim, todo o mercado — juntas, suas ações representam 24% do Ibovespa, principal índice da bolsa de valores. Para ter ideia, em 2024 o indicador está no campo negativo, enquanto as bolsas nos Estados Unidos, Europa e Japão alcançaram recentemente as suas máximas históricas. Outro dado alarmante é a debandada de investidores estrangeiros da bolsa brasileira, que deveria atrair capital de risco. Em 2024, eles já sacaram 21 bilhões de reais da B3 — e o ano mal começou. Para efeito de comparação, a bolsa registrou em 2023 captação positiva de 56 bilhões de reais.

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A desvalorização das ações das empresas e a consequente perda de bilhões de dólares em valor de mercado afetam as suas capacidades de competir com rivais estrangeiros. No caso da Petrobras, a ação já é historicamente negociada com um nível de “desconto” maior em relação a pares globais, incorporando os riscos de uma companhia com controle compartilhado com o governo. Nos últimos dias, os problemas dessa mistura ficaram evidentes. Enquanto os governantes teimarem em achar que grandes empresas existem para servir aos seus interesses políticos, o mundo corporativo brasileiro e o desenvolvimento do país estarão ameaçados.

 

 

sábado, 24 de fevereiro de 2024

O Nobel da insensatez - Revista Veja

 O Nobel da insensatez

Revista Veja | Brasil
23 de fevereiro de 2024


A obsessão do presidente pela busca de protagonismo internacional produz mais um vexame diplomático e empurra o Brasil outra vez para o lado errado da história Daniel Pereira

O PRESIDENTE Lula traçou dois grandes objetivos para o seu terceiro mandato. No plano interno, pavimentar o caminho para a sua reeleição, em 2026. No externo, tornar-se um líder global, status com que sonha desde a sua primeira passagem pelo Palácio do Planalto. Aos olhos de hoje, a segunda meta parece bem mais difícil. Para alcançá-la, o governo brasileiro tenta ser protagonista no debate sobre proteção ao meio ambiente e costurar no âmbito do G20 - grupo que reúne as dezenove maiores economias do mundo, além da União Africana e da União Europeia - uma aliança global contra a fome e a pobreza. Se der certo, o petista pode até ser laureado com o Prêmio Nobel da Paz, apostam alguns de seus principais assessores, como o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias. O problema de Lula não é o tamanho de sua ambição, mas a forma como ele faz política externa, principalmente quando abandona a tradição brasileira de mediação e conciliação, distorce fatos históricos, tem recaídas ideológicas e entoa discursos irresponsáveis como se estivesse num palanque eleitoral, arranhando a imagem e prejudicando os interesses do país.

A diplomacia é, entre outras coisas, a arte de medir bem as palavras. É justamente o que o presidente não fez, mais uma vez, ao comparar as ações do Exército de Israel em Gaza, deflagradas em resposta aos ataques terroristas do Hamas, ao extermínio de 6 milhões de judeus, durante a Segunda Guerra Mundial, pelo regime nazista de Adolf Hitler. "O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus", disse o presidente brasileiro durante uma entrevista na Etiópia. A comparação é um despropósito completo. Feita de forma improvisada, por ignorância ou ma-fé, ela serviu de estopim para uma crise diplomática entre Brasil e Israel. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, puxou a reação, escrevendo numa rede social que as palavras de Lula eram vergonhosas e graves. "Isso banaliza o Holocausto e prejudica o povo judeu e o direito de Israel de se defender. Comparar Israel ao Holocausto nazista e a Hitler é cruzar a linha vermelha". Sob ordens de Netanyahu, o chanceler de Israel intensificou o revide, aproveitando para constranger publicamente o embaixador do Brasil no país, Frederico Meyer.

Como ocorre em casos

dessa natureza, Meyer foi convocado pelo governo de Israel a prestar esclarecimentos sobre a fala de Lula. O encontro entre ele e o chanceler israelense, Israel Katz, ocorreu num importante memorial do Holocausto. Lá, sob as lentes e os microfones da imprensa, Katz declarou o presidente brasileiro persona non grata, o que significa que ele não é bem-vindo em Israel enquanto não se retratar, e exigiu um pedido de desculpas. Tudo em hebraico, e sem a presença de um intérprete, o que pode ter impossibilitado a compreensão do que era dito pelo embaixador brasileiro. A crise estava definitivamente instalada. No Brasil, Lula, contrariado, determinou a convocação do embaixador de Israel para prestar esclarecimentos. De nada adiantou. O chanceler Katz continuou a fustigar o presidente brasileiro nas redes sociais: "Sua comparação é promíscua e delirante. Uma vergonha para o Brasil e um cuspe no rosto dos judeus brasileiros. Ainda não é tarde para aprender história e pedir desculpas". Em resposta, o ministro de Relações ExterioresMauro Vieira, declarou que as manifestações de Katz eram inaceitáveis na forma, mentirosas no conteúdo e funcionariam como uma cortina de fumaça.

Para o governo brasileiro, Netanyahu está aproveitando o caso para fugir de explicações sobre denúncias de crimes de guerra cometidos pelas forças israelenses contra civis palestinos. Pode até ser verdade, mas quem deu a deixa, como uma declaração desatinada e irresponsável, foi Lula. As recaídas ideológicas e os improvisos têm feito mal ao presidente na área internacional. Como se sabe, a esquerda brasileira e o PT nutrem simpatia pela causa palestina e defendem a existência de dois Estados independentes na região, o que é rechaçado por Israel. Até aí, tudo dentro da normalidade. A situação começa a desandar quando desce aos detalhes. Após as barbaridades perpetradas pelo Hamas em 7 de outubro, Lula resistiu quanto pode a chamar de terroristas os atos praticados pelo grupo contra civis israelenses, que incluíram assassinatos, torturas, sequestros e estupros. A duras penas, a diplomacia brasileira, um nicho de excelência no serviço público brasileiro, conseguiu convencer o presidente a fazer o que devia ser feito: chamar os terroristas pelo nome. Lula, por sinal, foge das cascas de banana que ele mesmo costuma espalhar pelo caminho ao seguir o roteiro dos diplomatas profissionais.

Dias antes de sua declaração desastrosa, o presidente divulgou uma mensagem nas redes sociais em que, fazendo jus à tradição brasileira, dizia que o ataque do Hamas era indefensável e merecia condenação veemente, mas que a reação de Israel era desproporcional, indiscriminada e inaceitável, tendo resultado na morte de cerca de 30 000 civis, incluindo mulheres e crianças. Por isso, Lula defendia um imediato cessar-fogo. Essa posição enfática, manifestada de forma ponderada, foi logo atropelada pela entrevista na Etiópia, que ainda serviu de pretexto para os radicais de sempre e os áulicos de plantão tentarem dourar a pílula do desatino retórico cometido pelo chefe. Assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim afirmou que a fala de Lula "sacudiu o mundo e desencadeou um movimento de emoções que pode ajudar a resolver uma questão que a frieza dos interesses políticos foi incapaz de solucionar", conforme relatado pela colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo. O senso de protagonismo brasileiro nesse caso não é apenas exagerado. Simplesmente não aconteceu.

Além de causar problemas no cenário externo, Lula conseguiu dar um tiro no pé na política interna, tomando para si o protagonismo da agenda negativa, que até então estava toda no colo de seu principal adversário, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Embora algumas vozes desatinadas tenham dado apoio, a exemplo da deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, que atacou Netanyahu dizendo que o israelense não tem autoridade moral nem política para apontar o dedo para ninguém, o bom senso foi a tônica no Congresso. Conhecido por seu perfil conciliador, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, cobrou de Lula, de quem é aliado, uma retratação por comparar a ação militar de Israel em Gaza ao Holocausto. "Ainda que a reação do governo de Israel (aos atos terroristas do Hamas) venha a ser considerada desproporcional, excessiva, violenta, indiscriminada, não há como estabelecer um comparativo com a perseguição sofrida pelo povo judeu no nazismo", disse o senador. O líder do governo na Casa, Jaques Wagner, um dos poucos quadros no PT com coragem para dizer o que pensa ao presidente da República, seguiu caminho parecido. Durante a sessão plenária, Wagner relatou ter dito o seguinte a Lula: "Não tiro uma palavra do que vossa excelência disse, a não ser o final, porque, na minha opinião, não se traz à baila o episódio do Holocausto para nenhuma comparação".

Desde a campanha eleitoral de 2022, Lula vem usando a política externa para fazer um contraponto a Bolsonaro, cuja gestão chegou a se gabar de ter transformado o Brasil num pária internacional. No primeiro ano de seu terceiro mandato, o petista privilegiou a agenda internacional e visitou mais de vinte países, tentando conquistar um pouco de visibilidade positiva no cenário internacional. Essa ofensiva, se bem-sucedida, pode render dividendos de imagem, acordos em diferentes áreas e ganhos financeiros. Também pode lustrar a própria imagem de Lula, que chegou a ser chamado de "o cara" por Barack Obama. Anos depois, em sua biografia, o ex-presidente americano relatou que o petista lhe causara boa impressão, mas ressaltou também que, segundo constava, tinha escrúpulos de um chefão de uma organização criminosa.

Pelo menos até 2026, a forma como o Brasil será visto no exterior dependerá de como Lula se portará em temas tão distintos como meio ambiente, combate à miséria e negociações de paz. Na quarta-feira, o presidente recebeu o chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, e ouviu dele que os americanos concordam com a solução de dois Estados independentes na região, mas rechaçam veementemente a comparação feita por Lula entre a ação de Israel em Gaza e o Holocausto. Hoje, o Brasil é um importante líder regional, com pretensão de ascender à primeira prateleira dos países protagonistas no cenário internacional. As oportunidades para ganhar relevância estão dadas. O Brasil sediará em novembro a reunião do G20, quando Lula espera sacramentar a aliança global contra a fome e a pobreza. Além disso, será palco no ano que vem da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. De olho ou não no Nobel da Paz, o presidente petista pode conseguir avanços importantes nesses dois encontros. Basta deixar a ideologia, a tentação do palanque e o improviso desrespeitoso de lado. Como bem ressaltou o ex-embaixador Marcos Azambuja, a diplomacia é feita de "palavras cuidadas", ponderadas, bem pensadas. A crise diplomática com Israel é uma prova disso.

domingo, 10 de dezembro de 2023

Austeridade fiscal? No Brasil?? Contenção de gastos??? - Alexandre Schwartsman (Veja)

 Acredite quem quiser

Nosso passado recente não bate com promessas de austeridade

Por Alexandre Schwartsman

Veja, 9/12/2023

Na semana passada, o STF, provocado pelo Ministério da Fazenda, decidiu que a emenda constitucional aprovada no fim de 2021, conhecida como “PEC dos precatórios”, estabelecendo, entre outras coisas, um limite para o pagamento de precatórios, é inconstitucional.

Por mais que me cause estranheza uma emenda constitucional ser inconstitucional (não sou jurista, embora saiba da existência das chamadas “cláusulas pétreas”), meu dever como economista é analisar o impacto dessa decisão não só sobre as contas públicas, mas principalmente sobre a forma como este país se organiza, ou melhor, como não se organiza.

Recapitulando, precatórios “são requisições de pagamentos expedidas pelo Judiciário para cobrar” de entes governamentais “valores devidos após condenação judicial definitiva”. Ao final de 2021, o então governo apresentou a proposta como maneira de “driblar” o teto de gastos e abrir espaço para elevar outras despesas, aumentando, assim acreditou, suas chances na eleição presidencial, movimento depois reforçado pela chamada “PEC Kamikaze” em 2022.

Os valores não pagos em 2022 e 2023 não desapareceram, é claro. Apenas foram varridos para debaixo do tapete e, como consequência, houve um forte acúmulo de pagamentos para os anos seguintes, no melhor estilo bola de neve.

A decisão do STF permite que a atual administração pague os valores atrasados, montante que se estima ao redor de 90-95 bilhões de reais (0,9% do PIB). Nesse sentido, nada a corrigir: o “pecado original” consistia no calote contra os credores do governo; saná-lo foi uma decisão correta.

Ao mesmo tempo o STF definiu que tais pagamentos (até 2026) não devem ser computados para fins da adequação do total de despesas ao limite criado pelo “novo arcabouço fiscal”. Da mesma forma, também não serão considerados para fins de aferição da meta de resultado primário. Isso, até onde entendo, não significa que precatórios quitados deixarão de ser contabilizados como despesas, nem que desapareçam das estatísticas de dívida pública. Parece ser adequado. Evita-se que o erro do passado contamine o desempenho, para fins legais, dos gastos federais.

Ainda assim, um pouco de reflexão nos leva a uma conclusão no mínimo esquisita. Havia uma regra para o gasto em 2021, “driblada” pela PEC original. Há uma regra para as despesas hoje, agora “driblada” pela decisão do STF. Muito embora ambas as intervenções possam ser consideradas legais, na prática diferentes governos conseguiram, por manobras distintas, gastar mais do que o originalmente permitido, seja pela legislação do teto de gastos, seja pelo “novo arcabouço fiscal”.

Isso, leitores, é puro “suco de Brasil”. Muito embora ambas as restrições tenham sido criadas por nós mesmos, conseguimos, com jeito e malemolência, gastar além dos limites.

É possível dar qualquer verniz legal para isso. Não impede, porém, que despesas em excesso da receita resultem em elevação do endividamento, assim como taxas de juros mais altas do que as que prevaleceriam com gastos controlados.

Acredite quem quiser nas promessas de austeridade. Nosso desempenho em passado nada remoto conta uma história muito diferente.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

A novela do TPI, desde o G20 da Índia, até 14/09/2023 - revista Veja, FSP, Hoje no Mundo Militar

Much ado about nothing?

O Itamaraty e o discurso de Lula sobre o Tribunal Penal Internacional

  • Na Índia, o presidente disse que estudaria por que o Brasil aderiu ao TPI; já Flávio Dino comentou que "a diplomacia brasileira pode rever essa adesão"

https://veja.abril.com.br/coluna/radar/o-itamaraty-e-o-discurso-de-lula-sobre-o-tribunal-penal-internacional/amp/#amp_tf=De%20%251%24s&aoh=16947102346044&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com 

Até o momento, pelo menos, ficou só no discurso do presidente Lula e na defesa do ministro Flávio Dino a ideia de rever a adesão ao Tribunal Penal Internacional. No Itamaraty, não houve nenhuma instrução nesse sentido.

Durante sua passagem pela Índia, onde participou da Cúpula do G20, Lula causou polêmica ao defender, em uma entrevista, a visita do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao Brasil na reunião do grupo que acontecerá no Rio de Janeiro em 2024 e dizer que ele não será preso no país se ele for presidente.

A questão é que o Brasil é signatário do chamado Tribunal de Haia, que emitiu um mandado de prisão contra Putin, acusado de ter deportado forçadamente crianças ucranianas, e seria obrigado a cumprir a ordem.

“O que eu posso dizer para você é que se eu for presidente do Brasil e ele for para o Brasil não há por que ele ser preso, ele não será preso”, disse o petista ao jornal “Firstpost”, da Índia.

Após a repercussão das declarações, ele foi questionado sobre o assunto e tentou recuar, afirmando que a eventual decisão seria da Justiça brasileira. Disse ainda que desconhecia o TPI e questionou por que países como os Estados Unidos e a própria Rússia não aderiram ao tribunal.

“É importante, eu, inclusive, quero estudar muito essa questão desse Tribunal Penal porque os Estados Unidos não é signatário dele. A Rússia não é signatário dele. Então eu quero saber por que o Brasil virou signatário de um tribunal que os Estados Unidos não aceita. Por que nós somos inferiores e temos que aceitar uma coisa, sabe? Agora, quem toma decisão é a Justiça, o Brasil tem um Poder Judiciário que funciona, e funciona perfeitamente bem”, comentou.

Indagado se tiraria o Brasil do tribunal, Lula disse não saber e que iria estudar o tema. “Eu quero saber por que que nós entramos. A Índia não entrou, a China não entrou, a Índia não entrou, os Estados Unidos não entrou, a Rússia não entrou e eu vou saber por que o Brasil entrou”, declarou.

Nesta quarta-feira, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, também foi questionado sobre as falas do chefe e comentou que “muitos países do mundo, inclusive os mais poderosos”, não aderiram ao Tribunal de Haia.

“Então, o que o presidente Lula alertou, alertou corretamente, é que há um desbalanceamento, em que alguns países aderiram à jurisdição do Tribunal Penal Internacional e outros, não, como os Estados Unidos, a China e outros países importantes do mundo. Isso sugere que, em algum momento, a diplomacia brasileira pode rever essa adesão a esse acordo, uma vez que não houve essa igualdade entre as nações na aplicação desse instrumento”, declarou.

“É um alerta que o presidente fez. É claro que a diplomacia brasileira vai saber avaliar isso em outro momento”, acrescentou Dino.

Na sequência, o ministro usou suas redes sociais para esclarecer que “não há nenhuma proposta, nesse momento, de saída do Brasil do Tribunal Penal Internacional”.

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Dino diz que Tribunal Penal Internacional é desequilibrado e endossa críticas de Lula Ministro afirma que Itamaraty pode debater participação do Brasil no Estatuto de Roma 


 BRASÍLIA O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), afirmou nesta quarta-feira (13) que o TPI (Tribunal Penal Internacional) hoje funciona de modo "desequilibrado" e endossou críticas do presidente Lula (PT) ao fato de o Brasil ser signatário do tratado da corte enquanto países como Estados Unidos e China não o são. "O TPI é de algumas nações e não de todas, e é esse o alerta que o presidente fez, no sentido da necessidade de haver igualdade entre os países. Ou seja: ou todos aderem ou não faz sentido um tribunal que seja para julgar apenas uns e não outros", disse o ministro. É o momento em que, nessa projeção mundial que o presidente Lula tem, quem sabe haver essa revisão do estatuto", sugeriu Dino em referência ao Estatuto de Roma, tratado fundador do Tribunal de Haia. "Ou todos os países aderirem. 

Ou, de fato, haver o reconhecimento de que é um tribunal que funciona de modo desequilibrado", completou ao participar de evento no Senado. O ministro disse que rever a participação do Brasil no TPI ainda é "um debate muito novo". Ele, no entanto, também afirmou que a diplomacia brasileira poderá avaliar a questão em "algum momento" —sem responder se ele, pessoalmente, era contra ou a favor disso. "O presidente Lula alertou corretamente que há um desbalanceamento em que alguns países aderiram à jurisdição do TPI e outros não. Isso sugere que, em algum momento, a diplomacia brasileira pode rever a adesão a esse acordo, uma vez que não houve igualdade entre as nações na aplicação desse instrumento." Na última segunda-feira (11), Lula disse que "não sabia da existência" do tribunal e que iria investigar as razões de o Brasil ser signatário do Estatuto de Roma. "Me parece que os países do Conselho de Segurança da ONU não são signatários, só os 'bagrinhos'",afirmou o petista durante entrevista coletiva em Nova Déli, na Índia, após o encerramento da cúpula do G20. 

 Na verdade, dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança —colegiado no qual a participação é uma demanda antiga do Brasil—, EUA, Rússia e China não aderiram ao TPI. França e Reino Unido, porém, são signatários do Estatuto de Roma e membros da corte. No total, a instituição reúne 123 países. A adesão do Brasil ao estatuto voltou a ser tema de debate depois de um comentário do petista a uma emissora indiana no último sábado (9). Na ocasião, ele afirmou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, poderia ir ao Rio de Janeiro em 2024, para a cúpula do G20 sob a presidência brasileira, sem correr risco de ser preso. A questão é que o russo é desde março alvo de um mandado de prisão do TPI por supostos crimes de guerra na Ucrânia. E o Brasil, como signatário do documento fundador do tribunal, em tese deveria se comprometer a cumprir suas ordens —neste caso, prender Putin, que sempre negou as acusações. 

 O mandado do Tribunal de Haia, que acusa o presidente russo de não agir para impedir a deportação ilegal de crianças ucranianas de territórios ocupados por seu Exército, já o impediu de comparecer a pelo menos um evento internacional de peso neste ano —a cúpula do Brics, realizada em Joanesburgo, na África do Sul. Com sede em Haia, na Holanda, o Tribunal Penal Internacional foi criado em 1998 e é responsável por investigar e julgar pessoas acusadas de infrações como crimes de guerra e crimes contra a humanidade. 

 O Brasil assinou o documento em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e o incorporou à legislação em 2002, mesmo ano em que o TPI passou a funcionar de fato —portanto, antes de o petista assumir seu primeiro mandato na Presidência, em 2003.

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Hoje no Mundo Militar, 14/09/2023

O Tribunal Penal Internacional (TPI) inaugurou um escritório em Kiev com o objetivo de facilitar a investigação em curso sobre os supostos crimes de guerra ocorridos durante a invasão russa da Ucrânia.

As investigações preliminares resultaram em dois mandados de prisão: um contra Vladimir Putin e outro contra Maria Alekseyevna Lvova-Belova, ambos acusados de crimes de guerra que envolvem a deportação forçada de crianças ucranianas para a Rússia.

Recentemente, o presidente Lula afirmou que não cumprirá o mandado de prisão caso Putin vá ao Brasil, apesar de o país ser signatário do TPI. Em resposta, o Ministro da Justiça, Flávio Dino, criticou o TPI como "desequilibrado" e indicou que o Brasil está reavaliando sua participação no único tribunal internacional habilitado para investigar e julgar crimes como genocídio e crimes contra a humanidade em contextos de guerra.

Se o Brasil sair do TPI, Lula poderá então receber Putin de braços abertos.



quarta-feira, 31 de maio de 2023

Avaliação da revista Veja: "Como Lula boicotou o próprio governo na cúpula de países latinos"

Como Lula boicotou o próprio governo na cúpula de países latinos

Reunião com chefes de Estado tinha a missão de exaltar pontos de convergência, que acabaram ofuscados pela discussão sobre a ditadura venezuelana

 Por Robson Bonin

Revista Veja,30 Maio 2023, 20h13  

https://veja.abril.com.br/coluna/radar/como-lula-boicotou-o-proprio-governo-na-cupula-de-paises-latinos/?utm_source=pushnews&utm_medium=pushnotification


A convite de Lula, os líderes dos países sul-americanos reuniram-se em Brasília nesta terça para, nas palavras do governo,  “intercambiar pontos de vista e perspectivas para a cooperação e a integração da América do Sul”.

A reunião, na avaliação de integrantes do governo, tinha o grande objetivo de lançar luz sobre os pontos de união entre os diferentes países da região.

O regime autoritário de Nicolas Maduro, na Venezuela — marcado por violações de direitos humanos, perseguição política e miséria –, não era um dos temas da conversa.

Virou assunto principal do encontro, no entanto, quando Lula decidiu organizar uma festiva recepção ao colega ditador no Planalto.

Em vez de surfar no evento em que a América Latina se reencontrava para discutir interesses comuns, Lula terminou o encontro enfrentando o constrangimento de ter que comentar as críticas dos presidentes do Uruguai e do Chile.

O líder chileno disse que Lula distorcia a realidade ao pintar a Venezuela como uma democracia alvo de “narrativas” e fazia vista grossa aos crimes na Venezuela. Já o líder uruguaio disse que o petista tentava tapar o sol com o dedo ao negar o autorismo do colega Maduro.

Não faz muito tempo, o Brasil tinha no Planalto um presidente que costumava boicotar agendas do próprio governo, criando fatos negativos que ofuscavam agendas positivas.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

“Saímos de cima do muro”, diz novo chanceler Mauro Vieira sobre guerra - Amanda Péchy (Veja)

 “Saímos de cima do muro”, diz novo chanceler Mauro Vieira sobre guerra


Chefe do Itamaraty afirma que hoje o país defende a Ucrânia no conflito com a Rússia e garante que o Brasil vai se aproximar da China e dos Estados Unidos

Por Amanda Péchy 
Revista Veja, 10 fev 2023

Em sua segunda passagem pela Esplanada dos Ministérios, o chanceler Mauro Vieira, 71 anos, está debruçado sobre uma agenda repleta de viagens que julga essenciais à tarefa de reinstalar o Brasil no tabuleiro geopolítico. O périplo começou ao lado de Lula em viagem cercada de polêmicas à Argentina e segue nos Estados Unidos, a partir desta sexta-feira, 10, onde a ideia é refazer “laços esgarçados” com o governo Joe Biden. Conhecido pelo temperamento apaziguador, ele chegou a ser criticado por alas do PT depois de, tendo ocupado a pasta na gestão Dilma Rousseff, comparecer à posse de seu sucessor, José Serra, no polarizado cenário pós-impeachment. Com um extenso currículo de embaixadas que comandou em variados momentos da história do país — Buenos Aires, Paris, Washington —, Vieira acabou, na era Bolsonaro, sendo alojado na representação da Croácia e ali ficou isolado, distante das discussões globais. Em entrevista concedida em seu gabinete no Itamaraty, ele diz: “O Brasil está de volta ao jogo.”

O que a visita de Lula aos Estados Unidos pode trazer de ganhos concretos para o Brasil?
Essa visita é essencialmente política. O objetivo é restabelecer laços que ficaram esgarçados na gestão anterior. Foi um período em que havia um alinhamento automático não exatamente com os Estados Unidos, mas com o então presidente Donald Trump. Quando ele perdeu as eleições, em 2020, o elo deixou de existir. Para se ter uma ideia, o governo Jair Bolsonaro demorou mais de um mês para reconhecer a vitória de Joe Biden.
 
Há alguma proposta de cooperação na mesa? 
Por enquanto, não. Só depois dessa reaproximação será possível começar a conversar de forma mais palpável sobre comércio, ciência e tecnologia. Uma das pautas relevantes da visita será a política ambiental. Os presidentes ainda devem falar de futuros investimentos americanos no Brasil e sobre caminhos para abrir espaço à iniciativa privada brasileira lá. Os Estados Unidos sempre estarão em nosso rol prioritário. Depois da China, são nossos maiores parceiros.

E sobre a visita à China, prevista para ser a próxima escala, há chances de sair daí o tão alardeado acordo com o Mercosul?
Ainda não, isso leva mais tempo. Mas é um primeiro passo. O governo chinês convidou Lula e ele já aceitou. Deve embarcar entre março e abril. Fazendo as contas e olhando a agenda, nos primeiros quatro meses de mandato o presidente terá mantido contato com todos os grandes parceiros brasileiros. É um trabalho de refazer pontes que hoje não estão tão sólidas.

Quais assuntos devem vir à tona na ida a Pequim?
Discutirei a agenda em detalhes com o chanceler chinês nesse mês, na reunião do G20, na Índia. Eles são os parceiros comerciais número 1 do Brasil desde 2010, então há muitos interesses em jogo. Como a China ocupa uma posição de destaque na ciência e na tecnologia, essa é uma área que atrai a atenção do Brasil, entre muitas outras. Bolsonaro disparou comentários grosseiros sobre Pequim, criando rusgas que, agora, nos cabe dissolver.

Como o Brasil vai atuar no complexo tabuleiro em que a China tenta tirar dos Estados Unidos o posto de país mais poderoso?
Negociaremos com um e outro, indiscriminadamente. Isso não significa, porém, ir e voltar nos acordos, ao sabor das circunstâncias. Política externa é um esforço de longo prazo. O programa espacial que temos com a China foi selado quatro décadas atrás. Os Estados Unidos, por sua vez, foram nosso maior parceiro por um século inteiro, até 2010. Faremos o que for bom para o Brasil, com diplomacia e não com ideologia.

A atual política externa de Lula vem sendo comparada à dos mandatos anteriores, sobretudo por dar ênfase às relações com a América Latina, que, com as voltas que o mundo deu, perdeu relevância. Faz sentido enveredar por essa direção?
Garanto que, se ajustes forem necessários, serão feitos. Mas se a política do passado seguir nos beneficiando, não hesitaremos em voltar a mecanismos que deram certo. O retorno à Celac (reunião de países latino-americanos e caribenhos), por exemplo, é acertado, já que funciona como um eficiente espaço para o debate de interesses comuns.

A ideia de uma moeda comum na região, lançada na recente viagem de Lula à Argentina, vai mesmo sair do plano do discurso?
Primeiro, só para não haver confusão, o presidente nunca se referiu a uma moeda única, nos moldes do euro, mas a uma unidade comum para trocas internacionais, a começar pela Argentina. Isso pode agilizar o comércio bilateral. Agora, para sair do papel depende de muitas variáveis, não se cria algo assim de uma hora para outra. Afinal, os quatro países do Mercosul apresentam ritmos muito diferentes na economia.

Lula também citou a intenção de canalizar verbas do BNDES para investimentos no exterior. Como evitar que caiam na teia de corrupção que já enredou outros projetos do gênero?
Combatendo, investigando, punindo. Acho inacreditável como criticam investimentos brasileiros no exterior. Esse tipo de linha de financiamento existe justamente para ajudar negócios nacionais, passando por uma aprovação criteriosa. Um eventual aporte de dinheiro para o gasoduto argentino de Vaca Muerta, para ir até o Rio Grande do Sul, tem potencial para beneficiar uma relevante cadeia produtiva, gerando emprego e renda no Brasil, só para dar um exemplo.

Não é um problema Lula apoiar ditaduras como as de Cuba e da Venezuela, dizendo que temos de demonstrar “carinho” e “respeito” com países que atropelam os direitos humanos?
Não podemos deixar de conversar com Caracas e Havana por seguirmos linhas político-ideológicas divergentes e nos limitar àqueles que compartilham nossas visões — exatamente o que o antigo governo fez. A Venezuela não só é um país vital por deter as maiores reservas de petróleo do mundo, como tem uma fronteira de 2 000 quilômetros com o Brasil, na delicada região da Amazônia. Precisamos considerar nossos interesses. Podemos fazer críticas, mas não vamos fechar embaixadas.

Por que o Mercosul não deslanchou até hoje?
Não vejo assim. De 1991, quando foi criado, a 2011, seu auge, o volume de comércio entre os quatro países (Uruguai, Paraguai, Brasil e Argentina) passou de 4,5 bilhões de dólares a 48,9 bilhões de dólares. Na última década, houve oscilações em razão de crises econômicas regionais e mundiais, mas assistimos a uma forte recuperação. As críticas ao Mercosul estão mais relacionadas ao desejo de alguns países de selar acordos-solo de livre-comércio.

E por que o acordo do Mercosul com a União Europeia está há anos empacado?
Não sei por que ninguém fez nada desde 2019, quando foi assinado, sem ter sido ratificado. Estamos neste momento examinando o texto, e o presidente já deixou claro que é uma prioridade. Quer pôr um ponto-final na história até o fim deste semestre.

Lula disse que pretende revisar pontos do acordo. Isso não atravancaria ainda mais o processo?
A preocupação do presidente é justa: garantir que pequenas e médias empresas consigam ter acesso ao mercado europeu de forma competitiva, daí a necessidade de ajustes. Se não fosse por isso, poderíamos assinar imediatamente.

Segue na pauta o ingresso do Brasil no Conselho de Segurança da ONU como membro permanente?
O tema está na ordem do dia. Vamos manter, com esse objetivo, um firme trabalho junto aos membros permanentes e não permanentes do Conselho.

E a entrada na OCDE (organização que reúne os países mais desenvolvidos) é uma possibilidade?
O convite para ser membro foi apresentado ao governo brasileiro e será estudado. Lula já demonstrou interesse.

No recente encontro com o chanceler alemão Olaf Scholz, Lula afirmou que “quando um não quer, dois não brigam”, mantendo um discurso ambíguo sobre o conflito entre Ucrânia e Rússia. Não está na hora de um pronunciamento mais enfático?
Na minha interpretação, o que ele quis dizer com essas palavras é que, quando dois estão em guerra, se um lado fizer um gesto e o outro seguir, isso pode abrir chance para a negociação. A propósito, o presidente já afirmou inúmeras vezes que condena a invasão russa e a guerra. Ao contrário do governo Bolsonaro, agora o Brasil saiu de cima do muro.

Por que então o Brasil negou o pedido da Alemanha para fornecer munição aos tanques na Ucrânia?
O governo não quer dar armas para que as pessoas se matem, mas conversar sobre a paz. Aliás, se formos chamados para ajudar a mediar as negociações, estamos dispostos a participar.

Como avalia a política externa na gestão Bolsonaro?
Prefiro não cutucar o passado, mas, tudo bem, falo um pouquinho aqui. Bolsonaro interferiu em assuntos internos de outros países, criou saias-justas e fez comentários grosseiros sobre seus líderes. Nunca tinha visto em todos os meus anos de carreira nada parecido.

Ataques à democracia, como o de 8 de janeiro, são um freio de mão à diplomacia brasileira?
No dia do atentado, recebemos dezenas de ligações de chefes de Estado prestando solidariedade e se dizendo horrorizados com aquelas cenas. No final, acho que o episódio serviu para mostrar que temos uma democracia sólida, com instituições capazes de reagir de forma rápida e punir os culpados.

Haverá troca-troca de embaixadores e representantes do Brasil em instituições estrangeiras?
Haverá trocas em postos-chave naqueles países onde o presidente tem relação pessoal com os chefes de Estado. Júlio Bitelli, próximo de Lula, foi escolhido como embaixador na Argentina, e nomes indicados por Bolsonaro na França, na Holanda e na Itália serão substituídos. Foi ainda anulada a indicação da representação do Brasil junto à Organização Mundial do Comércio. Em quase todos os casos, os diplomatas estavam dentro do período de troca.

O senhor foi escalado na gestão Bolsonaro para assumir uma embaixada menos vistosa, na Croácia. Guarda ressentimento?
Nenhum. Fui para a Croácia porque quis. Tinha a opção de voltar ao Brasil, mas preferi me manter em exercício. Não falava com o governo nem o governo comigo. A solidão desse tempo felizmente ficou no passado.


sábado, 31 de dezembro de 2022

Pelé, o insuperável - Veja

 VEJA

Edson Arantes do Nascimento, 23/10/1940 - 29/12/2022

Campeão da Copa do Mundo aos 17 anos, bicampeão aos 21, tricampeão aos 29, onze vezes artilheiro do Campeonato Paulista (em seu tempo a competição mais importante do nosso futebol, ao lado do Campeonato Carioca), dez vezes campeão estadual, seis vezes campeão do Brasil, duas vezes campeão da Libertadores das Américas, duas vezes campeão mundial de clubes. 

Em toda a trajetória profissional, somou 1.281 gols, reconhecidos pela Fifa. O rei do futebol será eterno, mesmo tendo abandonado os gramados há décadas. Em 1974, aos 22 minutos do primeiro tempo de um jogo contra a Ponte Preta de Campinas na Vila Belmiro, sem nenhum roteiro planejado, ajoelhou-se de repente no meio do gramado. Com os braços abertos, virou o corpo em direção aos quatro cantos do estádio onde jogou na maior parte da carreira, em um modesto agradecimento de adeus. 

Foi assim que Pelé aposentou sua camisa branca do Santos, o único clube que havia defendido. Ele a vestira 1 116 vezes durante dezoito anos. Com ela, o número 10 às costas, fizera 1 091 gols. São marcas que nenhum jogador alcançou ou viria a atingir. Beira a impossibilidade que alguém venha a superá-las. 

Nenhum brasileiro, em qualquer campo de atividade, atingiu nem de longe sua dimensão e prestígio. A fama ultrapassou qualquer fronteira. Um gênio, simplesmente. Sem comparações possíveis. 

Veio do nada e tudo conquistou.