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sexta-feira, 17 de junho de 2022

Memórias intelectuais? Já está em tempo, ao que parece - Paulo Roberto de Almeida

 No início deste ano ainda pandêmico de 2022 eu transcrevi neste blog (já nem me lembrava mais) um texto que escrevi em 2009, do qual tampouco me lembrava. Trata-se uma espécie de prefácio ou apresentação a futuras memórias intelectuais que ainda não comecei a escrever, a despeito de dois ou três relatos, falando dos livros que permearam minha vida, no longo percurso da infância e juventude, até a idade adulta e mais além.

Em todo caso, transcrevo novamente esse texto, como forma de não só recordar-me dessa "obrigação pessoal", mas também de incitar-me, definitivamente a empreender seriamente o esforço de resumir uma vida toda ela dedicada à leitura, aos estudos, à reflexão e escrita variada, com publicações representando menos de 10% do que escrevi ao longo das últimas décadas. 

Um leitor (anônimo) escreveu nesta postagem, de que só vim a tomar conhecimento agora, em 17/06/2022:

Anônimo deixou um novo comentário na sua postagem " Memórias Intelectuais: Uma biografia das ideias que permearam a minha vida - Paulo Roberto de Almeida":

"Parabéns pelo trabalho. As ideias são como carvão que movimentam a locomotiva do mundo.
Sempre novas vão surgindo a dispor das antigas." 


Pois bem, vamos nos dedicar a essas memórias...

Paulo Roberto de Almeida



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Memórias Intelectuais: Uma biografia das ideias que permearam a minha vida - Paulo Roberto de Almeida

 Memórias Intelectuais

Uma biografia das ideias que permearam a minha vida

 

Paulo Roberto de Almeida

Concepção e primeira redação em 18.10.2009

(numa dessas noites de insônia)

Revisão resumida: 22.12.2009

Postado nesta versão no blog DiplomataZ (1/01/2010;

link: http://diplomataz.blogspot.com/2010/01/29-memorias-intelectuais.html).

 

 

Uma pequena introdução que se poderia chamar de metodológica 

Comecei a conceber a redação destas “memórias intelectuais” numa dessas noites de insônia que me acontecem frequentemente. Não que eu seja um insone ou que tenha dificuldades para dormir, ao contrário: como estou sempre lendo, ou escrevendo, no limite de minhas possibilidades físicas, quando vou dormir já estou dormindo em pé, ou sentado em frente ao computador, não sendo raro que eu cochile quase em cima do teclado, abatido pelo cansaço do dia, das muitas leituras, da fadiga visual em face da tela, da falta de sono enfim. Quando vou para a cama, portanto, caio como uma pedra e durma apenas o suficiente, pois necessariamente tenho de acordar antes de ter feito o ciclo completo de sono, antes de gozar daquele sono reparador que todos os médicos recomendam, seja porque tenho de trabalhar, seja porque tenho de dar aulas, o que para mim não é exatamente o mesmo que um trabalho, e sim o equivalente de um hobby, uma atividade que assumo voluntariamente, mais por prazer do que por necessidade.

Ocorre, porém, que, em algumas ocasiões, eu não consigo pregar o sono de imediato, seja porque minha cabeça fervilha com novas ideias adquiridas ao sabor das leituras cotidianas, seja porque algum outro problema perturbou o meu sono, apenas algumas horas depois de tê-lo iniciado.  

 

Pois aqui estou eu, tentando dar início a uma nova obra que vai, provavelmente, ocupar outras noites de insônia ao longo dos próximos meses e anos à frente, na redação paulatina, gradual, lenta e necessariamente interrompida do que eu chamei de “memórias intelectuais”, que nada mais são, como indica o subtítulo, do que uma história das ideias que permearam a minha vida. Por que isso? Por que esse título e não uma simples biografia ou memórias de vida, como todo mundo faz? Já explico.

Como qualquer leitor contumaz, também li muitas histórias de vida: grandes e pequenas biografias, autobiografias, relatos de vidas de homens (e mulheres) famosos, extratos de aventuras fabulosas (algumas verdadeiras, outras semi-inventadas), notas pessoais, currículos, enfim, uma variedade de escritos pessoais que sempre me interessaram mais pelo lado das ideias do que propriamente pelos feitos ou eventos. Sou assim, fascinado pelas ideias e pelos processos mentais, mais até do que pelos feitos e acontecidos. Interesso-me particularmente pelas reflexões e elaborações mentais dos homens (e mulheres, para não deixar de ser politicamente correto) que representaram alguma importância na história da humanidade. Lembro-me de ter lido, ainda em minha infância ou primeira adolescência, diversas biografias de grandes homens (e algumas mulheres) de autores como Hendryk Van Loon, Stefan Zweig, Monteiro Lobato (este mais um adaptador, do que um verdadeiro biógrafo) e vários outros autores. 

Nunca imaginei, pelo menos até alguns anos atrás, escrever minha própria biografia, e continuo achando que não tenho nada de particularmente interessante a dizer em matéria de relato de vida: a minha não foi suficientemente relevante no plano nacional, ou interessante no plano individual, para merecer uma biografia no sentido clássico, inclusive porque não sou um homem de grandes realizações práticas ou de qualquer impacto na vida nacional. Tampouco prestei depoimentos, até o presente momento, nem jamais mantive diários ou anotações regulares quanto a minhas atividades e ocupações. Sou, sim, um homem de leituras e de anotações, mas isso de livros, basicamente, o que faço de forma totalmente desorganizada e anárquica – o que parece redundante, mas não é – sem qualquer preocupação com o ordenamento sistemático dessas notas ou seu alinhamento cronológico. Simplesmente, me interesso por tanta coisa, e leio tantos livros diferentes, que sempre me foi impossível manter uma linearidade nas anotações de maneira a sustentar qualquer relato ordenado sobre a minha vida, se ela fosse relevante, ou sobre as minhas ideias, se por acaso eu tivesse um punhado delas representativa de alguma grande “filosofia” particular, o que obviamente não é o caso. Meu anarquismo literário e redacional nunca me permitiu manter notas organizadas o suficiente para escrever o que se chama classicamente de biografia, ainda que de simples ideias. 

Por que, então, me permito chamar estas minhas anotações de “Memórias Intelectuais”, um título aparentemente prometedor e, ao mesmo tempo, enganador? Não sou um intelectual, pelo menos não oficialmente: não me reconheço como tal, e não creio que eu seja conhecido como tal. Sou simplesmente um homem de leituras e de escritos, os mais diversos, tocando um pouco em todas as áreas das humanidades, o que faço mais de metido do que de sabido. O adjetivo “intelectuais” apegado ao substantivo memórias quer dizer simplesmente que este meu relato não é de vida, propriamente, nem de eventos ou de processos reais que aconteceram comigo, mas sim de elaborações mentais, de ideias, como aliás confirmado pelo subtítulo, como já escrevi acima. Ou seja, eu pretendo, sobretudo, tratar das ideias que eu defendi, que eu “frequentei”, que permearam a minha vida ao longo de cinco ou seis décadas (dependendo de quando se deve começar a contar minha vida “intelectual”). 

Não são todas ideias minhas, está claro, e sim ideias que movem o mundo, como já disse, a propósito de um livro seu, o historiador Felipe Fernandez Armesto (ver o seu Ideas That Changed the World, publicado em 2003, um livro que já resenhei, em sua edição brasileira). São, especialmente, ideias que movimentaram o meu mundo, ou que pelo menos influenciaram a minha formação, o meu pensamento, e algumas das minhas ações (sim, também as houve, e as relato aqui, conforme apropriado, mas sem muita ênfase, preferindo ficar mesmo no terreno das ideias). Não sei se sou um homem de ideias, mas sou, sim, um homem que viveu com ideias, para ideias e em função de ideias, embora (pelo menos acredito) sempre com um sentido prático, isto é, sempre com a intenção de colocá-las em “funcionamento”, ainda que poucas tenham de verdade “funcionado”. Isso nunca me deixou frustrado, ao contrário, pois eu atribuo às ideias as mais importantes transformações do mundo, ainda que nem todas tenham tido esse poder. Vale uma pequena elaboração a esse respeito, o que faço agora, à maneira de parênteses. 

 

O mundo, na concepção marxista e materialista – à qual eu aderi, voluntária e conscientemente, por boa parte de minha juventude e da vida adulta – é movido por forças materiais, por processos objetivos, que emergem do entrechoque de interesses sociais (de classe, obviamente) e do confronto entre relações sociais, algumas decadentes, outras, as vencedoras, avançadas, ou correspondendo a uma etapa superior das forças produtivas. No máximo os homens são prisioneiros de ideias do passado, segundo a fórmula de Marx no Dezoito Brumário. Keynes também disse algo semelhante, a respeito de ser a geração atual (qualquer uma) prisioneira de economistas mortos, o que se aplica perfeitamente ao seu próprio caso e à geração atual, ainda presa às suas ideias dos anos 1930, ou seja, de duas gerações passadas. 

As ideias são algo importante, e coisas vivas, no entanto. São elas que dão sentido à nossa existência consciente, são elas que guiam as nossas ações, são elas que nos impelem a novas aventuras do espírito ou empreendimentos práticos, são elas, finalmente, que sustentam a defesa de alguns princípios e valores que julgamos relevantes, seja para a “economia política” de nosso comportamento, seja para a elaboração de algum julgamento moral sobre nossas próprias ações e as dos outros. Ideas do matter, dizem os ingleses, ou americanos, whoever... As ideias têm importância, e elas tiveram uma tremenda importância em minha vida, toda ela feita de leituras, reflexões, escritos e debates em torno de ideias, todas elas, as minhas, ou seja, as que eu adquiri com leituras ou pessoas mais espertas, as emprestadas ocasionalmente, as dos outros, com as quais eu poderia concordar, ou não, assim como ideias que eu já defendi e que depois vim a recusar, até mesmo rejeitar, e que passei a combater, como foi o caso com boa parte de minha formação intelectual marxista da primeira juventude (depois explico como foi isso). 

Não tenho nenhum problema em aceitar, confessar, reconhecer essa mudança de ideias, de percepções, de atitudes em minha vida juvenil e adulta, posto que a vida é um processo continuo de incorporação de novas ideias, de sua submissão aos testes da lógica formal e da realidade, e da sua sustentação ou rejeição em função dos resultados desses “testes”, que nada mais são do que experiências de vida, novos aprendizados, incorporação de conhecimentos, aceitação de novos princípios e fundamentos para a ação social. Repito aqui o que Keynes parece ter dito, uma vez, a um interlocutor que o acusava de ter mudado frequentemente de ideias: “sim, eu mudo de ideias cada vez que muda a realidade; e você, o que faz?”

 

Este livro, portanto, não se ocupa apenas de minhas ideias, ainda que seja difícil distinguir o que é meu e o que pertence aos seus autores originais, na minha incorporação particular, individual, das ideias que li ou ouvi ao longo de uma vida extremamente bem recheada de leituras e de palestras, a que assisti ou de que participei, interagindo com membros da mesa ou com o público inquisidor (sim, sempre acreditei que aprendemos muito com nossos interlocutores, mesmo os que nos contestam, como ocorre ocasionalmente com alguns alunos e mais frequentemente com outros debatedores). São ideias que “estavam no ar”, que eu peguei, usei, transformei, reelaborei, introduzi em novas ideias que eu mesmo possa ter elaborado e que sai por aí, distribuindo à vontade, em meus escritos, aulas e palestras. Fiz isso durante toda a minha vida adulta, seja na profissão diplomática, seja nas lides acadêmicas, assumidas em caráter voluntário e em tempo parcial durante quase todo o tempo em que fui diplomata de carreira. 

Sim, sou daqueles que acreditam e defendem ideias próprias, mesmo trabalhando numa corporação de ofício, a casta dos diplomatas, que tem algo de Vaticano em sua maneira de ser e em sua forma de proceder. Na veneranda Casa que foi minha durante várias décadas, um funcionário subalterno é suposto acatar ideias dos superiores, quando não defendê-las, como se fossem suas. Consoante meu espírito anarquista e libertário, eu nunca fiz isso, jamais; sinceramente não me lembro de ter alguma vez acatado, em sã consciência ideias “superiores” apenas porque elas emanavam dos semideuses que nos governavam, quando eu era secretário: conselheiros, ministros, embaixadores. Sempre formulei alguma observação, seja para assinalar minha concordância (quando eu efetivamente concordava com o que estava sendo exposto), seja para argumentar em algum outro sentido (quando eu tinha alguma objeção de princípio ou alguma observação tópica a fazer a respeito do assunto em pauta). Nunca fui daqueles que quando parte para o trabalho deixa o cérebro em casa, ou deposita a sua capacidade de reflexão na portaria, ao adentrar no serviço: sempre levei comigo minha disposição a pensar com minha própria cabeça e a levantar elementos factuais ou argumentos opinativos, sempre quando o tema tratado me parecia padecer de alguma inconsistência formal ou de deficiência substantiva. Nunca tive qualquer hesitação em contestar chefes ou outros superiores em reuniões de trabalho, acumulando com isso (pelo menos suspeito) sólidas inimizades ao longo da carreira (não de minha iniciativa, mas provavelmente da parte dessas personalidades contestadas, que provavelmente nunca toleraram a arrogância desse mero secretario ou conselheiro que ousava discordar de suas brilhantes ideias e propostas). 

Sou assim, e não me escuso de sê-lo, pois acredito que devemos ser, publicamente, como somos na intimidade, ou seja, nos comportar exatamente como comandam nossos instintos, modo de ser, vocação inata. Eu nasci para ser um leitor, um “absorvedor” e um processador de ideias, e tendo a expressar as minhas, conforme julgo apropriado ou oportuno. Se os demais, os superiores, não concordam com elas, não me importo minimamente, pois considero que num mundo de ideias, como o que vivemos, devemos sempre lutar para que as boas ideias prevaleçam sobre as más, ou inadequadas. Não sou, nem me considero, um “salvador” da humanidade, pelas ideias ou pelas ações, mas considero, sim, que a humanidade pode e deve avançar pela defesa das boas ideias, pela sua prevalência sobre as más, ou negativas, pela promoção das soluções “corretas” aos enormes problemas da humanidade, de pobreza, de desigualdade, de injustiça, de infelicidade. Sim, também tenho esse lado um pouco milenarista ou messiânico de pretender “melhorar” a humanidade pela ação consciente dos homens de bem, dos cientistas, dos engenheiros, dos humanistas, que buscam algo mais na vida do que o simples prazer pessoal ou a satisfação individual. Considero-me comprometido com uma causa superior, que é, em primeiro lugar, a elevação espiritual, ou “mental”, da humanidade, base indispensável para sua elevação material, ou para a busca incessante de melhores padrões de vida para o maior número. 

Talvez seja esse o legado de meu passado socialista ou marxista: pretender “melhorar” a humanidade, ainda que eu tenha há muito desistido de qualquer projeto de “engenharia social”, ou seja, a pretensão de mudar os homens para mudar a sociedade, como ocorreu na triste história do socialismo real ao longo do século 20. O “homem novo” deve ser simplesmente construído em nível individual, pela educação de qualidade, livre, diversificada, totalmente liberta de qualquer crença fundamentalista – como o marxismo esclerosado, por exemplo – e não imposto por qualquer programa de “reeducação social” mediante projetos autoritários de transformação social, como os conhecidos nessa triste experiência político-messiânica. Dessas ideias eu creio que me libertei, a partir da juventude tardia e da entrada na etapa adulta de minha vida, ainda que eu não tenha conseguido me libertar dessa ideia básica de pretender promover o “bem comum” e a “felicidade dos povos” (mas, aqui e agora, sem qualquer sentido autoritário ou mandatório). De todas as minhas visitas e experiências no socialismo real – o que poucos intelectuais do mundo capitalista realmente fizeram – retirei a certeza de que o sistema criado pelo partido de vanguarda trouxe mais infelicidade do que bem-estar aos povos que pretendeu transformar, e nem sempre num sentido meramente material, de disposição de bens correntes; no mais das vezes, a miséria moral e a degradação dos indivíduos foram bem mais relevantes do que a penúria de bens e serviços. 

 

Creio que os parágrafos acima já oferecem um resumo do que são as ideias que pretendo discutir neste ensaio de biografia intelectual, basicamente uma história das ideias para consumo próprio, uma espécie de balanço de uma vida de leituras, de reflexões e de escritos, que foi tudo o que me foi dado fazer ao longo de uma carreira diplomática e acadêmica sem muitas emoções ou grandes acontecimentos. Talvez as poucas ideias aqui contidas possam servir de motivo de reflexão aos mais jovens, aqueles que como eu começam ou começaram a sua vida cheios de entusiasmo juvenil por grandes projetos de transformação do Brasil e do mundo. Eu fiz a minha parte, tentei, sim, transformar o Brasil – nem sempre no bom sentido, confesso, como quando pretendia fazer do país uma economia socialista, seguindo o exemplo cubano – e tentei, depois, ajudar na transformação do mundo, seja como diplomata, seja como professor, seja ainda como autor de alguns escritos que podem ter influenciado a formação de alguns poucos jovens que tiveram contato com esses escritos.

Uma coisa é certa: ainda que eu possa ter errado algumas (ou muitas) vezes, eu sempre tentei ser honesto comigo mesmo e com as ideias que estavam à minha disposição, ou seja, ao usá-las de modo racional e sempre visando ao bem comum. A honestidade intelectual não é apenas uma virtude, para mim, mas uma necessidade imperiosa, uma condição inseparável de minha personalidade e disposição de vida. Nunca consegui defender ideias nas quais não acreditava, nunca fui hipócrita no trabalho diplomático ou acadêmico, sempre defendi (e expressei) o que pensava, mesmo ao risco de prejuízos materiais ou morais. Nunca me escondi atrás de “falsas ideias”, apenas para contentar um superior ou sugerir uma ilusória concordância intelectual com quem quer que seja na academia, e por isso mesmo devo ter granjeado inimizades e criado alguns problemas para mim mesmo, aqui e acolá. Isso nunca me importou: sempre preferi estar em paz com minha consciência, do que ganhar algum favor de um superior por submissão a ideias que não defendo ou que rejeito. Nunca fui carreirista, numa ou noutra “profissão”, aliás, nunca me classifiquei apenas como diplomata ou como acadêmico; sempre disse que eu era diplomata, ou professor, mas em meus escritos e palestras eu me apresentei sempre como sociólogo ou “doutor em ciências sociais”, conforme o caso, o que são títulos, não condições profissionais. Acho que nunca escrevi como diplomata – ou seja, a langue de bois, ou o bullshit, típicos da profissão e da linguagem diplomática – e tampouco me comportei como acadêmico, ou seja, apenas um pesquisador ou professor de uma instituição de ensino e pesquisa.

Sempre fui um ser livre, tanto quanto me permitiram minha condição de servidor público e de contratado de uma instituição de ensino, ou seja, cumprindo minhas obrigações mínimas, mas me reservando o direito de pensar com minha própria cabeça e de expressar o que me ia na cabeça, por vezes de forma algo agressiva, reconheço. Mas é porque o meu entusiasmo pelas ideias, meu cuidado em recolhê-las dos livros e colocá-las à disposição dos demais, meu empenho em “ensinar” aos outros as “boas ideias” são tais que em algumas (ou várias) ocasiões eu acabei me chocando com ideias antigas, conservadoras, inadequadas, incorretas, francamente equivocadas. Isso seria porque minhas ideias eram melhores do que as dos outros? Talvez, e aqui confesso algum orgulho de estar um pouco à frente de meus contemporâneos, exclusivamente em função de minha obsessão pela informação, pelo conhecimento, pela argumentação lógica e bem fundamentada. Sim, eu me impaciento com a lentidão de algumas pessoas (talvez a maioria) em perceber a realidade, que está ali, à disposição de quem quer ver, bastando se informar corretamente – mas a maioria das pessoas lê pouco e se informa de maneira deficiente – e refletir com base em preceitos mínimos da lógica formal e da argumentação bem sustentada. Não tenho culpa se sempre tive mais informações do que a média de meus colegas de trabalho e de academia: isso foi alcançado ao custo de muito sacrifício, de muitas noites de leitura, de muito esforço em buscar e apreender os dados da realidade. Como estou fazendo agora mesmo, neste momento de reflexão e de registro de minhas memórias intelectuais. Mas, encerro no momento, pois já são 9h25 de uma manhã de domingo, e eu vou dormir um pouco antes de retomar minhas leituras e lides acadêmicas um pouco mais tarde. Boa noite (ou bom dia).

 

Brasília, residência da SQS 213, 18/10/2009

Início: 6h37 da manhã; interrupção: 9h25.

Revisão: 22/12/2009

 

domingo, 26 de novembro de 2017

O Ajuste Justo: estudo do Banco Mundial sobre gastos publicos no Brasil - editoriais OESP, Valor

Dois editoriais que destacam a importância deste estudo do Banco Mundial para o processo de ajuste macroeconômico no Brasil, com ênfase na política fiscal, demonstrando, cabalmente, a necessidade de serem adotadas medidas urgentes, significativas e impactantes de corte de gastos no país.
O trabalho do Banco Mundial é este aqui:
O estudo está disponível, em português, no seguinte link: 
http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf
Paulo Roberto de Almeida

EDITORIAIS de 23/11/2017

O Estado de S. Paulo – Gastar menos e fazer mais / Editorial

Estudo do Banco Mundial contém material de alta qualidade para discussão na campanha eleitoral. Falta saber se haverá candidatos bastante sérios para tratar desses assuntos.
O governo pode fazer mais com menos dinheiro, produzindo serviços com mais eficiência e tratando os cidadãos com mais equidade, segundo um estudo recém-divulgado em Brasília pelo Banco Mundial. O trabalho contém material farto e de alta qualidade para discussão na campanha eleitoral do próximo ano. Falta conferir se haverá candidatos bastante sérios para tratar de assuntos como a melhora da administração, a reforma do Orçamento, a distribuição mais equilibrada e mais justa de encargos e benefícios e a definição mais pragmática e realista de metas e programas. As propostas são dirigidas a quem estiver disposto a enfrentar com seriedade e honestidade algumas questões tão simples quanto importantes. Exemplos: por que os pobres devem financiar ensino universitário gratuito aos jovens das classes mais abonadas? Por que o Tesouro deve conceder benefícios custosos e ineficientes a grupos empresariais mais interessados no conforto do que na busca de competitividade?
O governo brasileiro gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal: essa “é a principal conclusão do estudo”. Nenhum remédio será satisfatório, portanto, se o problema do gasto mal executado ficar sem tratamento. Nesse caso, mais dinheiro à disposição do poder público será mais dinheiro desperdiçado. Não é uma questão ideológica, mas aritmética e pragmática.
As mudanças propostas no estudo podem servir a governos de várias orientações – se forem razoavelmente sérios. Afinal, o uso mais eficiente do dinheiro pode servir à execução de diferentes tipos de política. Mas a eficiência dependerá de algumas condições.
Uma delas é a reforma da Previdência, apontada como a fonte mais importante de economia no longo prazo. Não há como contornar os desafios impostos pelas mudanças demográficas, argumentam os autores do estudo, repetindo um argumento realista e bem conhecido. Além disso, a reforma poderá tornar mais equitativo um sistema caracterizado por distribuição desigual de benefícios entre ricos e pobres e entre servidores públicos e trabalhadores do setor privado.
Sem essa e outras mudanças, o teto de gastos ficará na lembrança como mais uma iniciativa bem-intencionada e de curtíssima utilidade. O limite constitucional dos gastos só terá um sentido prático se for invertida a tendência dominante nos últimos anos. Será necessário executar nos próximos dez anos um corte acumulado de quase 25% nas despesas primárias (isto é, sem juros) da administração federal. A contenção do gasto exigirá várias medidas além do combate ao déficit previdenciário.
As propostas incluem, entre os primeiros itens, a redução da massa de salários do funcionalismo público, medida tanto de eficiência como de equidade. A redução pode ser obtida pela diminuição do quadro de pessoal e pelo corte gradativo das vantagens. A remuneração do funcionário federal, segundo o relatório, é em média 67% superior à dos trabalhadores do setor privado (mesmo levando-se em conta diferenças de nível educacional).
O governo também poderá economizar melhorando seu sistema de compras e assim reduzindo desperdícios. Poderá abandonar políticas muito caras e ineficientes de estímulo às empresas, com custos equivalentes a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015. A ineficiência dessas políticas, com escasso ou nenhum resultado em termos de crescimento, foi apontada várias vezes por analistas brasileiros. O governo apenas mexeu em alguns de seus componentes.
Algumas inovações são politicamente complicadas, caso da unificação dos programas de proteção social. A eliminação da gratuidade como padrão geral da universidade pública seria certamente recebida com muitas críticas, embora dois terços dos beneficiários pertençam aos 40% mais aquinhoados. A mudança seria compatível com programas de financiamento e de bolsas.
Racionalidade e eficiência são raramente populares. É muito mais fácil defender políticas populistas, mesmo quando inflacionárias e injustas, como tem sido no Brasil. Enfrentar o populismo, no entanto, é hoje indispensável para garantir o futuro do País.

Valor Econômico – A lição de casa do ajuste, segundo o Banco Mundial / Editorial

As políticas do Estado brasileiro produzem déficits crescentes, frutos de gastos ruins, que concentram renda, beneficiam os mais ricos e tolhem a economia. Sem profundas reformas, ele caminha para a insolvência. O estudo do Banco Mundial, "O ajuste justo", aprofunda o diagnóstico das causas do grande endividamento público, feito por vários economistas do país, e aponta, com mais diversidade do que de costume, linhas de soluções para o problema. À sombra dos números, há a inquietante percepção de que o país anda já há um bom tempo na trilha errada e da dificuldade de corrigir a rota.
A reforma da previdência é o pilar das mudanças e o item que poderia proporcionar a maior economia de despesas, de 1,8% do PIB até 2026, se a proposta aprovada por comissão da Câmara fosse integralmente executada. Não será, e a conta de redução de despesas em relação a uma trajetória sem mudanças cairá de R$ 600 bilhões para algo em torno de R$ 360 bilhões em 10 anos, em cálculos aproximados. É vital, porém, desvincular o piso da previdência do salário mínimo, diz o banco.
A reforma da previdência, porém, é insuficiente, e é necessário uma rearrumação e redução geral dos gastos. O Banco Mundial analisou 8 áreas, que somam 80% dos gastos públicos, e sugeriu medidas que podem melhorar em 7% do PIB as contas públicas federais em uma década. As sugestões, a maior parte corretas, são um pesadelo para políticos acostumados a expedientes de ocasião para compor interesses díspares dos grupos de pressão. É possível, aponta o documento, encontrar soluções alternativas, mas é difícil fugir dos alvos propostos.
O governo federal precisará fazer uma correção de gastos da ordem de 5% do PIB no médio prazo para deter primeiro, e reduzir depois, o endividamento, hoje em 74% do PIB. O teto de gastos é importante para isso e pode encolher as despesas em 25% em uma década, jogando-as de volta ao nível de 2000. O teto não para em pé sem a reforma da previdência, o que é sabido, mas será também praticamente inexequível sem mudanças nos gastos obrigatórios. Com o limite aplicado apenas a "despesas primárias agregadas (e não a componentes e programas específicos) ele não oferece orientação sobre onde reduzir os gastos", conclui o estudo. A reação automática, diante das vinculações e amarras, como em outras situações de aperto dos cintos, foi cortar investimentos, o que não é sustentável.
O banco afirma, após análise ampla de subsídios e programas, que a política fiscal brasileira é regressiva e não beneficia, como poderia, as camadas mais pobres. Para corrigi-la, é imprescindível reduzir a massa salarial dos servidores públicos, 77% dos quais se situam entre os 40% mais ricos do país. Como porcentagem do PIB, ela excede a média dos países de renda alta. Segundo o estudo, o total da folha de pagamentos do setor público subiu de 11,6% do PIB em 2006 para 13,1% do PIB em 2015 e superou Portugal e até a França, a pátria por excelência da burocracia de Estado.
Os servidores federais recebem, em média, 70% mais que os trabalhadores do setor privado. Ajustando-se a comparação por idade, experiência, educação etc, ganham um prêmio salarial de 67% em média - o mais alto da amostra de 53 países. Por esse motivo o banco recomenda que se reduzam as vantagens desse grupo na reforma previdenciária e que ele contribua com parcela do ajuste, via maior tributação. Sugere também, ao contrário do que fez o presidente Temer, que não se conceda aumentos reais para o funcionalismo até que esse prêmio caia. Se ele fosse reduzido à metade, alinhando os salários federais aos estaduais (mantendo prêmio de 31%), "a economia anual resultante seria de 0,9% do PIB (R$ 53 bilhões). A equiparação do prêmio à média internacional de 16% reduziria a massa salarial em 1,3% do PIB ao ano (R$ 79 bilhões).
As demais recomendações trazem ganhos menores, mas ainda assim significativos. Uma ideia é unificar salário-família, Bolsa Família, benefício de prestação continuada e aposentadoria rural, para evitar sobreposições, o que pouparia gastos de 0,7% do PIB. O seguro-desemprego apenas seria concedido após o uso do FGTS, sobre cujo saldo deveriam incidir juros de mercado. Uma economia de até 1,2% do PIB seria obtida com reforma do Simples, mais 0,4% com o fim da desoneração da folha e outros 0,4% com reforma dos benefícios da Zona Franca de Manaus. O conjunto compõe uma plataforma ousada à espera de políticos que a defendam.

sábado, 25 de novembro de 2017

Ajuste Justo: estudo do Banco Mundial sobre gastos publicos no Brasil - Ricardo Bergamini, Paulo Roberto de Almeida

Abaixo um resumo parcial e incompleto, feito pelo economista Ricardo Bergamini, complementado por gráficos que recolhi da fonte, do recente estudo do Banco Mundial sobre os gastos públicos no Brasil, mostrando coisas que já sabíamos, mas que ainda não tinham sido consolidadas num relatório completo, apontando todas as irracionalidades e equívocos das políticas públicas, que aliás contribuem para a regressividade e, portanto, para a concentração de renda no Brasil.
Para os gráficos e tabelas consultar o estudo completo, no site do Banco Mundial, abaixo indicado.

O jornal O Estado de São Paulo ofereceu um editorial a respeito que merece ser lido: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,gastar-menos-e-fazer-mais,70002094035
 
Existem inúmeras outras considerações – como as distorções previdenciárias, por exemplo – que não estão cobertas neste relatório, mas que merecem ser lidas, pois são as principais fontes de desequilíbrios fiscais no Brasil.
Outras deformações, como os gastos excessivos com a dívida pública – que aumenta sem cessar – tampouco estão cobertas neste estudo, mas fazem parte de nosso descalabro fiscal.
Paulo Roberto de Almeida


Relatório do Banco Mundial Sobre Gastos Públicos no Brasil

Resumo parcial feito pelo economista Ricardo Bergamini; gráficos selecionados por Paulo Roberto de Almeida

Capítulo I
Introdução


1. O Governo Brasileiro gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal. Os ficits fiscais brasileiros são altos e a dívida pública do país encontra-se em uma trajeria insustentável. As despesas públicas correntes vêm crescendo regularmente ao longo das duas últimas décadas, e dados demonstram que a maior parte de tais despesas é ineficiente e regressiva. Esta Revisão das Despesas Públicas (PER, na sigla em inglês) analisa as raízes dos desafios fiscais brasileiros e oferece recomendões para solucioná-los.


2. Este estudo manm seu foco principal no oamento federal, mas também trata de aspectos específicos das finanças subnacionais. O arcabouço intergovernamental do Brasil consiste em ts níveis administrativos: Governo Federal, Estados e Municípios. A Constituição determina a alocação de poderes tributários, responsabilidades por despesas e mecanismos de repasse entre os níveis de governo. Apolítica fiscal federal afeta as finanças dos governos subnacionais, que, por sua vez, constituem um risco fiscal significativo para o Governo Federal. Enquanto esse relatório olha para aspectos específicos das finanças públicas dos entes subnacionais, particularmente com relação às aposentadorias e aos gastos com saúde e educação, o enfoque principal é o nível federal. O orçamento federal é responsável por cerca de 60% do gasto total do governo no Brasil. Além disso, ele determina uma proporção significante dos gastos obrigatórios dos entes subnacionais via legislação federal.

3. O Brasil enfrenta uma crise de sustentabilidade fiscal causada por uma tendência estrutural de aumentar as despesas correntes. Embora o aumento das despesas correntes tenha se mantido constante ao longo das duas últimas décadas, sua insustentabilidade foi ocultada pelo aumento contínuo das receitas durante o período de boom econômico entre 2004 e 2010. Contudo, fora desse período, o aumento das despesas não foi acompanhado por um crescimento suficiente das receitas. Nos últimos anos, o déficit fiscal cresceu drasticamente como resultado da queda significativa das receitas causada pela recessão econômica. Essa dinâmica resultou em ficits fiscais anuais de mais de 8% do PIB em 2015-2106, bem como no crescimento da dívida pública, que passou de 51,5% do PIB em 2012 para mais de 73% do PIB em 2017. O ajuste fiscal necessário para estabilizar a dívida pública no médio prazo é grande cerca de 5% do PIB no resultado primário.


4. A PER é baseada no Novo Regime Fiscal aprovado por meio da Emenda Constitucional 95 de dezembro de 2016, que introduziu um teto para o crescimento das despesas primárias federais ao longo dos próximos 20 anos. A adoção desse teto de gastos representa a estratégia do governo para atingir o ajuste fiscal necessário. Este relario mantém seu foco em recomendações que permitiriam ao governo cumprir a meta do teto de gastos. É importante notar, no entanto, que passos complementares adicionais podem e devem ser considerados como parte de uma estratégia de ajuste fiscal equilibrada, tanto em termos de receitas quanto em relação ao controle dos gastos "abaixo da linha". Todavia, tais medidas adicionais não são discutidas em profundidade neste relario.

5. O cumprimento do novo teto de gastos será um desafio, o que evidencia a importância de elaborar (e implementar) um programa de reformas fiscais. Para compreender a extensão do ajuste necessário ao longo da próxima década para cumprir a meta do teto, vale ressaltar que uma redução equivalente a 5% do PIB nos gastos federais reduziria de um quarto as despesas primárias federais em proporção ao PIB, restituindo-as aos níveis do princípio da década de 2000. Isso será muito desafiador no contexto da ampla rigidez orçamentária e das crescentes pressões de gastos relacionadas ao rápido envelhecimento da população. Além disso, o teto não garante a qualidade do ajuste fiscal. A extensão do ajuste fiscal necessário ressalta a necessidade de avaliar cuidadosamente quais despesas podem ser reduzidas sem prejudicar os mais pobres e o crescimento econômico futuro. A análise deste relario visa a subsidiar esse debate.

6. Ajustes fiscais anteriores foram, em geral, prejudiciais aos mais pobres é fundamental que os esforços futuros mitiguem esse risco. Logo, esta PER analisa detalhadamente quais despesas fornecem serviços públicos essenciais e proteção aos mais pobres e vulneráveis, e quais despesas beneficiam principalmente os mais ricos. Cobrindo a maioria das áreas-chave de despesas públicas, este relario demonstra como as reformas em diversas áreas podem gerar economias e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade dos serviços públicos e a equidade. As recomendões não representam soluções milagrosas; elas são pontos de partida para a elaboração de reformas amplas que permitio ao Brasil conduzir o ajuste fiscal necessário minimizando os impactos negativos para os mais pobres.

7. Este relatório consiste em nove capítulos. O primeiro capítulo ilustra a extensão do amplo desafio fiscal que o Brasil enfrenta. O capítulo examina as tendências de receitas e despesas, oferece projeções da dívida pública e apresenta uma avaliação dos passivos contingentes. Ele analisa importantes questões fiscais transversais, como rigidezes de despesas, desafios de receitas e áreas onde melhorar as normas fiscais. Ele não debate maneiras de fortalecer o processo orçamentário e o Marco Fiscal de Médio Prazo (MFMP), pois essa é uma área na qual o FMI fornece assessoria técnica (FMI, 2017).

8. Os oito capítulos seguintes concentram-se no escopo dos ganhos de eficiência e equidade, e nas potenciais economias fiscais em áreas específicas.

Ajuste fiscal, crescimento e equidade no Brasil.
Tradicionalmente, ajuste fiscal no Brasil es associado à uma redução de bem-estar para pessoas comuns. No entanto, como esse relatório analisa em detalhes, a necessidade urgente de se abordar os desequilíbrios fiscais do Brasil oferece uma oportunidade de se corrigir vieses estruturais de longos prazo que têm prejudicado o crescimento econômico, gerado “rent seeking” e corrupção, e cimentado desigualdades ecomicas. Pode-se destacar quatro áreas em particular que vinculam diretamente ajuste fiscal com crescimento econômico mais sustentável e mais socialmente inclusivo:

A necessidade de consolidação fiscal oferece uma oportunidade única para realizar importantes reformas estruturais, fiscais e setoriais. Tais reformas podem garantir o crescimento econômico futuro do Brasil, melhorar o acesso e a qualidade da prestação de serviços e impulsionar a redução da pobreza. Quatro aspectos das reformas determinarão o futuro do Brasil:

Recuperação da sustentabilidade fiscal e reconstrução de proteções fiscais. Isso inclui o tratamento das causas fundamentais das pressões fiscais, permitindo a redução das taxas de juros reais; a estabilização da dívida pública e sua colocação em uma trajetória decrescente; a reconstrução de protões fiscais; e a mitigação dos riscos de passivos contingentes. A reforma do sistema de previdência pública é fundamental para conter as pressões de gastos e restaurar a sustentabilidade fiscal de longo prazo. A racionalização da folha de pagamento do setor público também é importante devido ao seu tamanho no âmbito do orçamento federal.

Prestação mais eficiente de serviços blicos. O Brasil poderia melhorar o volume e a qualidade dos serviços blicos por meio do uso mais eficiente dos recursos atuais. A eliminação de ineficiências criaria um espaço adicional para lidar com pressões de despesas futuras e gerar recursos que possam ser realocados para programas que demonstrem impactos positivos. Em particular, em áreas prioritárias como saúde e educação, as ineficiências das despesas significam que resultados iguais ou melhores poderiam ser obtidos com menos recursos.

Reformulação das políticas de apoio às empresas para fomentar investimento, emprego e aumento da produtividade. As projeções atuais indicam que o crescimento permanecerá tímido no médio prazo, oque exige que o Brasil impulsione o aumento da produtividade e, ao mesmo tempo, gere ganhos de eficiência em sua estrutura fiscal. O Brasil gasta somas significativas para apoiar o setor privado, com pouco impacto sobre a produtividade e a geração de empregos. Se direcionar os gastos atuais com subsídios ineficientes ao financiamento de melhorias na infraestrutura ou a intervenções que visem ao fomento da inovação e à adoção de tecnologias, o Brasil poderia construir os alicerces para a recuperação de taxas de crescimento mais altas e sustentáveis e para a crião de empregos de qualidade.

Aumento da equidade nas despesas blicas e na tributação. A incidência de despesas primárias federais é muito heterogênea. Atualmente, o Brasil gasta somas significativas com programas públicos que são ineficazes em relação ao cumprimento de seus objetivos e beneficiam principalmente os mais ricos. Embora alguns programas desempenhem um papel importante na redução da pobreza, outros são regressivos. Portanto, um ajuste fiscal bem elaborado não precisaria reduzir o apoio aos mais pobres e vulneráveis; ele poderia até aumentar a equidade por meio da redução de gastos regressivos e do aumento da progressividade da tributão.

9. Juntas, essas oito áreas representam mais de 80% das despesas primárias do Governo Federal e a maior parte do crescimento das despesas primárias nos últimos 15 anos, além de cobrir uma parcela significativa da prestação de serviços públicos. O relario utiliza uma variedade de abordagens metodológicas com o objetivo de identificar economias potenciais e ganhos de eficiência técnicas e alocativas. Por exemplo, parte da análise dos programas de assistência social e mercado de trabalho é baseada em uma análise de incidência e cobre vários programas que permitem inferir o escopo para ganhos de eficiência e equidade. A análise dos gastos públicos com educação e saúde é baseada em curvas de produtividade que permitem inferir o escopo para ganhos de eficiência. O capítulo sobre políticas de apoio às empresas é baseado em vários estudos que avaliam os custos e a eficácia de programas específicos.


Capítulo II
Desafios para a Sustentabilidade Fiscal no Brasil

O Brasil precisa realizar reformas profundas e abrangentes em suas políticas de tributos e despesas para que consiga cumprir a nova regra de gastos. O ajuste de 6% exigido ao longo de uma década corresponde a 25% do orçamento federal. Isso é, por si só, um grande desafio, que é exacerbado pelo fato de mais de 90% do orçamento ser rígido. A remoção de alguns programas e a introdução de reformas marginais não serão suficientes. Além disso, atualmente a política fiscal tem pouco impacto na redução da desigualdade e da pobreza em relação ao volume dos gastos públicos. É necessário desenvolver um plano abrangente para maximizar a qualidade (em termos de eficiência e equidade) do ajuste fiscal e remover rigidezes orçamentárias.

Sustentabilidade e tendências fiscais
10. O equilíbrio fiscal brasileiro tem se deteriorado drasticamente nos últimos anos, o que evidencia a insustentabilidade das tendências fiscais. Em relação a outros países latino- americanos, o Brasil possui uma alta carga tributária e grandes gastos sociais. O rápido crescimento das receitas durante os anos 2000 camuflou um aumento igualmente rápido das despesas, impulsionado por fatores estruturais. Quando as receitas pararam de crescer e começaram a cair (embora as despesas continuassem em alta), o saldo primário declinou de um superávit médio de 2,9% do PIB entre 2004 e 2013 para um déficit de mais de 2% do PIB em 2015 e 2016. O déficit nominal superou 8% do PIB em 2015 e 2016. Como resultado, a dívida pública bruta do governo geral cresceu de 51,5% do PIB em 2013 para mais de 73% do PIB em 2017. Embora a receita decrescente e as altas taxas de juros entre 2014 e 2016 tenham influenciado esse resultado, o rápido crescimento das despesas primárias foi o motivador estrutural da deterioração fiscal. Sem reformas, a expansão dos gastos primários resultará em déficit estrutural ainda maior no futuro. Para reverter essa tendência, é necessário um ajuste fiscal de cerca de 5% do PIB para atingir um saldo primário de cerca de 2% do PIB, capaz de estabilizar a dívida. 


11. O principal fator de pressão fiscal é o crescimento das despesas primárias obrigatórias, embora os custos dos juros da dívida também tenham contribuído. As despesas primárias cresceram, em média, 6,5% ao ano em termos reais entre 2006 e 2014, antes de cair levemente em 2015. Mais de metade do aumento das despesas primárias deveu-se ao crescimento dos programas sociais (53%), principalmente com gasto em previdência (no âmbito dos três principais programas previdenciários públicos – RGPS, RPPS e BPC). Os repasses a outros níveis de governo também contribuíram (35%). O Governo Federal mais que dobrou suas despesas com educação em termos reais entre 2006 e 2014, embora tais gastos permaneçam moderados (1,3% do PIB), pois a maior parte das despesas com educação ocorre nas esferas estadual e municipal.

12. Embora os custos dos juros e outras operações “abaixo da linha” sejam muito altos no Brasil, seria errado concentrar a estratégia de ajuste fiscal nesses custos. Além dos déficits primários, a grande conta de juros da dívida brasileira contribuiu para o aumento do déficit fiscal nominal. O custo dos juros cresceu moderadamente entre 2006 e 2014 (de 6,4% para 7,4% do PIB). No entanto, quando as taxas de juros superaram 14%, o gasto com juros saltou para 8,7% do PIB em 2015, impulsionando a deterioração do déficit fiscal nominal naquele ano. De fato, os pagamentos de juros desempenharam um papel importante no desequilíbrio fiscal brasileiro, representando 62% do aumento do déficit nominal entre 2011-2014 e 2015-2016. Todavia, atribuir demasiada importância às contas "abaixo da linha" é um equívoco do ponto de vista de política econômica. Na verdade, é importante distinguir o cálculo da contribuição de cada componente para o resultado fiscal (que é simplesmente um exercício contábil) da avaliação das fontes de desequilíbrio fiscal. De um ponto de vista de política fiscal, a despesa em serviço da dívida é geralmente considerada endógena, pois ela é determinada pelo estoque da dívida (acumulação de déficits passados) e a taxa de juros que, por sua vez, é determinada nos mercados financeiros, influenciada entre outros fatores pela orientação da política monetária e da absorção de poupança agregada, através de déficits fiscais e o prêmio de risco da dívida pública. Seria incorreto, portanto, buscar solucionar o desequilíbrio fiscal a partir dos custos "abaixo da linha". Em vez disso, a política do governo deveria manter seu foco na redução do déficit primário (que, por sua vez, permitiria a redução das taxas de juros, dos pagamentos de juros e do déficit nominal).


Capítulo III

13. A pressão fiscal tem sua origem na indexação de grande parte das despesas primárias federais ao PIB, às receitas ou ao salário mínimo, bem como na vinculação generalizada das receitas e nos níveis mínimos de gastos obrigatórios. Em particular, a indexação do piso previdenciário e dos principais programas sociais ao salário mínimo – que, por sua vez, é indexado ao crescimento (positivo) e à inflação – resulta em um aumento constante dos gastos com seguridade social. Estima-se que um aumento de 1% no salário mínimo resulte em um aumento de 0,11% nos gastos primários do governo geral (e 0,17% nos gastos primários do governo central). Considerando que o aumento real anual médio do salário mínimo entre 2000 e 2016 foi de 4,8%, isso elevou os gastos primários do governo geral em cerca de 0,5% ao ano (0,8% para o governo central). Ademais, há uma vinculação generalizada das receitas a despesas específicas, além de níveis mínimos obrigatórios de gastos com saúde e educação (na verdade, esse fator não é, atualmente, vinculante, especialmente no caso da educação). Além de serem a raiz das tendências fiscais insustentáveis, todas essas regras e restrições reduzem a flexibilidade do orçamento e resultam em aumentos ineficientes dos gastos.

14. As receitas também contribuíram para a deterioração das contas fiscais desde 2012, inicialmente devido às reduções discricionárias de impostos e, posteriormente, à recessão econômica. Nos cinco anos até 2011, as receitas cresceram a uma taxa real média de 6% (9,3% se for excluído 2009, o ano da crise). De 2012 a 2014, as receitas diminuíram levemente (taxa real média de -0,2%), apesar de a economia ainda estar crescendo um pouco, devido a tentativas de estimular o crescimento por meio de benefícios tributários direcionados. Em 2016,após dois anos de profunda recessão, as receitas tributárias contraíram-se em outros 7,3% em relação a 2014, e as contribuições previdenciárias (RGPS) caíram 7,1%, mesmo após o governo ter revogado alguns dos benefícios tributários concedidos nos anos anteriores.

15. A deterioração fiscal obrigou o Governo Federal a utilizar fontes extraordinárias de financiamento para cumprir a Regra de Ouro”. A chamada Regra de Ouro, que limita o uso de novos empstimos para o financiamento de investimentos em vez de gastos correntes, é uma das regras fiscais mais comumente adotadas por diferentes países ao redor do mundo e faz parte da estrutura fiscal do Brasil desde 1988, pelo artigo 167 da Constituição Federal. Especificamente, a Regra de Ouro” do Brasil afirma que o total das receitas de operões de crédito não pode exceder o total de gastos de capital, que são definidos como o somatório das amortizões de vidas e investimentos reais e financeiros. Qualquer empstimo acima disso exige uma aprovação especial do congresso. Desde 2015, déficits fiscais (empstimos líquidos) têm sido superiores ao gasto com investimento federal, sugerindo o não cumprimento da Regra de Ouro. Apesar disso, o Governo federal cumpriu a Regra de Ouro utilizando operações de financiamento pontuais e receitas atípicas. Assim sendo, sem um ajuste significativo nos balanços fiscais, o cumprimento da Regra de Ouro” será mais um desafio para a política fiscal do Brasil nos próximos anos.

16. As projeções fiscais indicam que, na ausência de reformas, a trajetória fiscal do Brasil será insustentável. Utilizando um modelo fiscal detalhado da trajeria das despesas individuais e das linhas de receita baseado em um conjunto de premissas macroeconômicas razoáveis, este estudo simulou a sustentabilidade das tendências fiscais. O modelo demonstra que, na ausência de reformas, o ficit primário aumentaria continuamente, chegando a 5% a 2030. O ficit nominal chegaria a 18% do PIB até 2030, e a dívida chegaria a 150% do PIB no mesmo período. Tais níveis de desequilíbrio fiscal não seriam aceitáveis para investidores privados e, muito antes disso, geraria uma fuga de capitais, o que levaria a uma crise macroeconômica.

17. O panorama fiscal também é vulnerável a passivos contingentes significativos, principalmente relacionados a dificuldades fiscais subnacionais. Vários governos estaduais no Brasil enfrentam graves dificuldades financeiras. Três estados (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais) declararam estado de calamidade financeira em 2016, e o Rio de Janeiro suspendeu o pagamento de suas dívidas. Além disso, em 2017 o Pia declarou falência financeira do estado, anulando pagamentos devidos a seus fornecedores. A dívida desses ts estados totaliza R$ 270 bilhões (4,2% do PIB). A dívida de todos os estados juntos equivale a aproximadamente 12% do PIB. Uma vez que a maior parte desse valor é devida diretamente ao governo federal, e o restante é devido a credores externos com garantia da união, o governo federal é diretamente afetado pela inadimplência subnacional. Em 2016, o governo federal reescalonou a dívida dos estados ao estender o prazo e acordar uma moratória sobre o pagamento das dívidas de R$ 50 bilhões até 2018. Em seguida, em 2017 o Congresso aprovou uma lei que permitia ao governo federal apoiar os estados em dificuldades financeiras, adiando os pagamentos das dívidas à União por três anos e permitindo que esses estados tomassem empréstimos com aval federal. Essas medidas dependiam da adoção de reformas para restaurar a sustentabilidade fiscal, inclusive o aumento das contribuições de seguridade social, a redução das isenções tributárias e a privatização de empresas estatais selecionadas. O panorama fiscal dos governos subnacionais permanece muito delicado, contudo, porque a maioria dos estados encontra-se onerada por uma grande massa salarial e pelos déficits previdenciários, que são relativamente rígidos por serem parcialmente definidos por leis federais. Ademais, as projeções atuariais indicam que os déficits previdenciários subnacionais aumentarão drasticamente ao longo da próxima década.

18. As empresas estatais também são fontes de riscos fiscais significativos. A petrolífera estatal Petrobras encontra-se altamente endividada. Sua dívida de US$ 118 bilhões, 80% dos quais em divisa estrangeira, representa um passivo contingente do governo federal. No entanto, o fluxo de caixa e a posição de liquidez da Petrobras melhoraram desde 2015 devido ao aumento da produção de petróleo, aos preços mais altos praticados internamente, a um programa de desinvestimento de US$ 35 bilhões e a uma emissão bem-sucedida de bonds. Três grandes bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES)possuem passivos equivalentes a cerca de 60% do PIB. Tais bancos podem vir a enfrentar problemas de solvência caso haja uma recessão econômica prolongada (Banco Central do Brasil, Relario de Estabilidade Financeira, abril de 2016). No caso do BNDES, a maior parte do valor é devido ao governo federal. Em 2014, a Caixa Econômica Federal recebeu um apoio de R$ 7 bilhões (ou 0,1% do PIB) por meio de um "banco ruim" de propriedade do governo (Empresa Gestora de Ativos, EMGEA). No segundo semestre de 2016, a Caixa deu início a um programa de demissão voluntária com o objetivo de reduzir seus custos.


Capítulo IV
Incidência da política fiscal

19. Apesar do alto volume de gastos públicos, a política fiscal brasileira tem tido pouco sucesso na redução da desigualdade e da pobreza. Higgins e Pereira (2013) estimaram o efeito redistributivo da política fiscal sobrea distribuição de renda e a pobreza no Brasil. Eles utilizaram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Municípios (PNAD) sobre muitas fontes de renda (de trabalho ou não); pagamento de tributos diretos; contribuições ao sistema previdenciário; recebimento de transferências; uso de serviços públicos de educação e saúde; e consumo. Eles demonstraram que, por meio de impostos e transferências diretas, o Brasil reduziu a desigualdade em 6%, o que é considerável para padrões latino-americanos (mas não para padrões da Europa Ocidental). Ao considerar todos os tributos e transferências (tributos diretos e indiretos, e transferências diretas e indiretas, isto é, incluindo o acesso a serviços públicos), o Brasil reduziu a desigualdade em 19%. Considerando o alto nível dos gastos, contudo, Higgins e Pereira (2013) consideram que essa redução indica que a política fiscal não é muito eficaz na redução da desigualdade no Brasil.

20. Embora intervenções fiscais sejam bem-sucedidas para a redução da miséria, elas levam, de fato, a um aumento da pobreza moderada. Para medir o impacto da política fiscal sobre a pobreza, Higgins e Pereira(2013) utilizaram as linhas de pobreza propostas pelo Banco Mundial de US$ 1,25 PPC ao dia (miséria), US$2,50 PPC ao dia (pobreza extrema) e US$ 4,00 PPC ao dia (pobreza moderada). A miséria foi reduzida em 55%por meio de transferências diretas (líquidas do pagamento de tributos diretos); a pobreza extrema, em 28%; e a pobreza moderada, somente em 14%. No entanto, quando são considerados os tributos indiretos, a redução da miria é atenuada, a redução da pobreza extrema quase desaparece, e a pobreza moderada efetivamente cresce, quando são comparadas a renda de mercado e a renda pós-fiscal. Em outras palavras, o número de indivíduos quase pobres que são levados à pobreza moderada por pagar mais em tributos do que recebem em benefícios é mais alto que o número de pessoas que se livram da pobreza por receber mais em transferências do que pagam em tributos. Além do efeito prejudicial dos tributos indiretos, o fato de a pobreza não ser mais reduzida apesar dos altos gastos brasileiros com transferências diretas também se deve aos muitos vazamentos aos não pobres. Higgins e Pereira (2013) estimam que, em média, pelo menos 74% de todas as transferências diretas beneficiam os nãos pobres. Com resultado, o volume restante é distribuído de maneira mais esparsa entre os pobres.

A adoção do Teto de Gastos
21. Em dezembro de 2016, o Congresso aprovou uma emenda constitucional que introduziu um limite para as despesas primárias federais (o teto de gastos), o que foará o Brasil a continuamente priorizar suas despesas federais. O novo regime fiscal limita o crescimento das despesas primárias federais (líquidas das transferências a outros níveis de governo) com base na taxa de inflação do ano anterior (acumulada em doze meses a junho), mantendo constante, portanto, os gastos em termos reais. Considerando um crescimento da economia e das receitas próximo às tendências históricas de longo prazo, tal regra gradualmente reduziria as despesas como parcela do PIB e geraria um ajuste fiscal suficiente para estabilizara dívida pública em cerca de 10 anos. Projões baseadas no modelo fiscal, considerando um crescimento anual do PIB de cerca de 2,3% e uma taxa de inflação em torno de 4%, indicam que, com o teto de gastos, o saldo primário retornaria a um estado de supevit somente em 2024 e atingiria 2% do PIB a 2029. De acordo com isso, é prevista a estabilização da dívida pública em torno de 2028, com uma expectativa de queda muito gradual a partir daquele ano. Naturalmente, um crescimento maior e taxas de juros reais mais baixas poderiam levar a uma estabilização mais pida da dívida. Isso geraria um espo fiscal muito bem-vindo para recuperar a capacidade de investimento do governo federal e, dessa forma, apoiar um crescimento mais sustentável no futuro.

22. O teto de gastos representa a estragia do governo para atingir o ajuste fiscal necessário, que se concentra no controle das despesas primárias federais. A adoção do teto constitui um primeiro passo crucial para a recuperação da sustentabilidade fiscal. Ele trata diretamente da principal fonte estrutural do desequilíbrio fiscal, ou seja, o crescimento das despesas primárias. Ele também ajudará a limitar as políticas de gastos pró-cíclicos do passado. Além disso, a regra é simples, o que facilita sua explicação e monitoramento. Dito isso, outros países adotaram diferentes regras fiscais, cada uma com suas vantagens e desvantagens. Em particular, muitos países possuem regras que se concentram no equilíbrio fiscal (o que permite que as receitas contribuam para o ajuste fiscal), ou impõem um teto aos níveis da dívida pública; alguns países distinguem entre diferentes tipos de gastos públicos (despesas correntes vs. investimentos), ou aplicam regras mais sofisticadas que consideram o ciclo econômico; alguns optaram por uma estratégia mais abrangente que inclui múltiplas regras, combinando, por exemplo, uma regra de gastos com um teto da dívida; outros, ainda, incorporaram uma cláusula de salvaguarda para manter sua flexibilidade em momentos de crise econômica ou lidar com choques exógenos. Este relario não considera essas alternativas e concentra-se, em vez disso, nas recomendões que permitio ao governo cumprir a regra de gastos desde que mantenha o foco em medidas para a redução das despesas primárias federais. Como será discutido brevemente abaixo, medidas complementares adicionais podem e devem ser consideradas como parte de uma estratégia de ajuste fiscal equilibrada, tanto em termos de receitas quanto em relação ao controle dos custos "abaixo da linha".

23. A implementação da regra de gastos será um enorme desafio, pois, em termos práticos, ela representa uma redução de 25% do oamento federal (ao longo de uma década). O teto de gastos significa que, em relão ao PIB, as despesas primárias federais teriam de ser reduzidas em cerca de 0,6 ponto percentual ao ano (em comparação à projeção de linha de base de quais despesas teriam ocorrido na ausência de uma reforma, ou seja, considerando a pressão atual para crescimento das despesas). Ao longo de dez anos isso corresponde a uma redução de mais de um quarto nas despesas primárias federais. Trata-se de um ajuste grande, que evidencia a necessidade de um planejamento cuidadoso para garantir a sua qualidade.

24. O ajuste fiscal será particularmente difícil devido ao alto grau de rigidez do Oamento Federal e às pressões demográficas. Segundo as leis atuais, mais de 90% das despesas primárias do governo federal são consideradas obrigarias. A maior parte de tais despesas é composta por repasses obrigatórios a outros níveis de governo, salários do funcionalismo público, benefícios sociais e exigências de gastos mínimos. Ademais, a pequena parte do orçamento que é discricionária contém importantes prioridades, tais como os investimentos públicos em infraestrutura e o principal programa brasileiro de combate à pobreza, o Bolsa Família. Além disso, o Brasil vem passando por uma pida transição demográfica, que levará a uma pressão fiscal significativa sobre os serviços públicos de saúde (World Bank, 2011). Uma vez que importantes componentes rígidos de gastos, especialmente os benefícios concedidos aos idosos, tendem acrescer, os gastos obrigatórios totais (segundo as regras atuais) devem exceder rapidamente os níveis estabelecidos pelo teto de gastos. Portanto, para permitir a implementação do teto de gastos e garantir que o ajuste não afete exclusivamente a pequena parcela discricionária do orçamento, serão necessárias mudanças nos programas de gastos obrigarios.


25. Embora o teto de gastos defina o volume do ajuste das despesas ao longo do tempo, ela não garante a concepção, qualidade e aplicação das reformas fiscais necessárias para cumprir a trajetória de ajustes estabelecida pela regra. Uma vez que o limite para o crescimento dos gastos é aplicado somente às despesas primárias agregadas (e não a seus componentes ou programas específicos), ele não oferece orientação sobre onde reduzir os gastos. Nesse contexto, é fundamental determinar quais despesas devem ser reduzidas devido a sua eficácia limitada, sua incidência regressiva e seu impacto negativo sobre a produtividade, em vez de concentrar as reduções nos itens que podem ser cortados mais facilmente. A qualidade do ajuste fiscal terá repercussões na prestação de serviços públicos, na equidade e no crescimento econômico.

26. O resto desta PER motiva e elabora propostas de reformas que garantiriam um ajuste de qualidade alinhado ao teto. O resto desta seção resume brevemente o escopo para reformas complementares do sistema triburio e maneiras de lidar com as chamadas "despesas abaixo da linha" (relacionadas à gestão da dívida pública do Brasil, medidas relativas à capitalização das empresas estatais e os custos das operações do Banco Central). É importante considerar essas medidas não como substitutas do ajuste das despesas públicas. Como ficará claro ao longo deste estudo, os gastos públicos brasileiros não estão alinhados a padrões internacionais, são ineficientes em muitas áreas e, além disso, falham em sua tentativa de reduzir os altíssimos níveis de desigualdade de renda e de riqueza. Os gastos públicos devem ser reformados simplesmente por motivos de justiça e eficiência. O risco iminente de crise fiscal no Brasil somente aumenta a urgência da reforma.


Capítulo V
Complementação do ajuste de gastos: o papel da política fiscal e das despesas "abaixo da linha"

27. Devido à relativamente alta carga tributária agregada, o espaço para aumentos adicionais de receitas se limitado. Entre os mercados emergentes, o Brasil possui uma das cargas tributárias mais altas. Ao longo dos últimos 25 anos, a carga tributária subiu significativamente para incorporar os aumentos de gastos resultantes da Constituição de 1988 e substituir o financiamento inflacionário em seguida à implementação do Plano Real em 1994. A receita do governo geral chegou a 38% do PIB em 2016, o que elevou o custo marginal de aumentos tributários adicionais para a economia. Apesar disso, uma reforma triburia poderia gerar grandes dividendos em termos de crescimento e equidade, complementando, assim, o ajuste de gastos.

28. A reforma do sistema tributário elevaria as perspectivas de crescimento do Brasil, pois o sistema atual é demasiadamente complexo, implica altos custos de conformidade e gera significativas distoões e ineficiências. O Brasil arrecada 85 impostos diferentes. A complexidade do sistema tributário é agravada pelo fato de a autoridade e a regulamentação tributárias serem divididas entre o governo federal, os 26 estados e o Distrito Federal, além dos mais de 5.000 municípios brasileiros. Consequentemente, o Brasil ficou na 181ª posição entre 190 países no quesito "pagamento de impostos” da pesquisa Doing Business do Banco Mundial em 2017. As altas taxas tributárias incluem os impostos de pessoas jurídicas, os impostos sobre o trabalho e os vários impostos indiretos em cascata sobre bens e serviços. No entanto, os muitos regimes especiais e outras isenções tributárias reduziram a eficiência do sistema tributário e criaram uma rie de distoões econômicas. Uma ampla reforma tributária que vise a racionalizar o sistema tributário, eliminar as brechas legais e, possivelmente, reduzir algumas alíquotas tributárias provavelmente levaria a um aumento da produtividade e das receitas.

29. A reforma tributária tamm poderia melhorar a equidade, pois o sistema tributário brasileiro é regressivo. Tributos indiretos, que tendem a afetar os mais pobres de maneira desproporcional, representam 55% da receita tributária. Apesar das baixas alíquotas, a tributação efetiva sobre alimentos básicos é de 13,1%.Conforme mencionado acima, o efeito regressivo da tributação indireta acaba por neutralizar os efeitos positivos das transfencias aos mais pobres (Higgins e Pereira, 2013). A tributação sobre a renda pessoal desempenha um papel relativamente pequeno no Brasil (18% da receita tributária, ou 6% do PIB). Devido à existência de muitas fontes de renda não tributáveis (tais como ganhos de capitais e dividendos), a tributação sobre a renda pessoal não afeta os ricos de maneira adequada. Os indivíduos que ganham mais de 40 salários mínimos pagam somente 6,4% de sua renda total na forma de imposto sobre a renda, ao passo que os que ganham entre 20 e 40 salários mínimos pagam somente um pouco mais (11,7%) (Gobetti e Orair, 2016).

30. Uma ampla reforma tributária exigirá muita preparação. No entanto, a eliminação de gastos tributários distorcivos e caros é um processo simples que geraria benefícios significativos. Embora isso não seja exigido no âmbito do teto de gastos, a eliminação das isenções fiscais que se demonstraram ineficientes como instrumentos de política industrial e que beneficiam os segmentos mais ricos da sociedade contribuiria para elevar a eficiência e a equidade da política fiscal. Estima-se que o aumento da eficiência dos gastos públicos e a redução das distoões causadas por isenções tributárias e cdito subsidiado possam gerar efeitos positivos para o crescimento e a produtividade. A eliminação de isenções tributárias garantiria condições iguais para todos, o que facilitaria a alocação de recursos para onde esses pudessem ser mais produtivos, em vez de mantê-los em setores e firmas que obtiveram um tratamento tributário mais favorável. A redão dos gastos tributários também poderia contribuir significativamente para o ajuste fiscal e, ao mesmo tempo, elevar a eficiência, reduzir distoões e diminuir a regressividade da carga fiscal. O resto do relario contém recomendações sobre como eliminar vários programas de gastos tributários que parecem ser ineficazes e/ou injustos.

31. Uma melhor gestão dos custos "abaixo da linha" também poderia contribuir para o ajuste fiscal. O Brasil possui uma grande conta de juros sobre a dívida, o que levou o ficit fiscal nominal a superar 8% do PIB em2015 e 2016. Embora a dívida pública brasileira seja superior à de seus países pares e venha crescendo rapidamente, ela permanece em linha com a média da OCDE. Vale destacar, todavia, que a situação brasileira é atípica no que diz respeito a sua conta de juros. As contas são infladas por operações quase-fiscais e pelos altos custos da política monetária. Assim, paralelamente à redução das despesas primárias e ao aumento das receitas, é importante reduzir os custos das operações "abaixo da linha. Algumas propostas- chave encontram-se resumidas a seguir:

- Em primeiro lugar, a quase totalidade da dívida pública é interna, e o Brasil possui uma das mais altas taxas de juros do mundo. Após o Brasil ter passado por várias crises da dívida nos anos 1970, 1980 e 1990, o Tesouro Nacional decidiu reduzir a dívida pública em divisa estrangeira, que, atualmente, encontra-se em cerca de 5% da dívida pública total. o obstante os riscos cambiais, todavia, ao levarmos em consideração as altas taxas de juros reais brasileiras, é possível que a parcela ideal de dívida externa seja mais alta. Isso exigiria um estudo mais aprofundado.

- Em segundo lugar, a conta de juros inclui vários itens que são peculiares ao Brasil, tais como o custo dos empréstimos ao BNDES, o custo da política monetária, o custo das grandes reservas internacionais do Banco Central e o custo das operações de swap cambial do Banco Central:

No contexto da crise financeira global de 2008, o Brasil expandiu drasticamente o crédito a taxas subsidiadas oferecidas por bancos públicos. Tais empstimos foram financiados por meio da emissão de títulos blicos, e a diferença (negativa) entre o empstimo subsidiado (com base na taxa TJLP)19 e as taxas dos títulos públicos foi registrada como despesa de juros do governo20. Em2016, a dívida pendente do governo com o BNDES (cerca de R$ 500 bilhões) equivalia a um prejuízo anual de aproximadamente R$ 29 bilhões (ou 0,5% do PIB)21.

O nível de reservas internacionais também é bastante alto para padrões internacionais, o que acarreta um custo fiscal significativo (estimado como a diferença entre a taxa SELIC e a taxa de obrigões do Tesouro, multiplicada pelo estoque das reservas): cerca de R$ 150 bilhões, ou 2,6% do PIB. Seria importante estudar cuidadosamente se escopo para redução das reservas internacionais

Além disso, limitar as intervenções cambiais por meio de operações de swap também poderia ajudara reduzir a conta de juros. Em média, os swaps cambiais levaram a perdas líquidas de 0,2% do PIB entre 2013 e 2016 (com um pico de 2,2% do PIB em 2015). Desde o pico de US$ 110 bilhões em março de 2016, no entanto, o volume de swaps emitidos reduziu-se rapidamente, chegando a US$ 27 bilhões em agosto de 2017.

32. Por fim, medidas financeiras pontuais também podem ajudar a reduzir o nível da dívida. A privatização ou concessão de infraestrutura pública e de outros serviços pode gerar recursos pontuais ou royalties, e tais recursos podem ser canalizados para reduzir a dívida pública. Da mesma maneira, além de reduzir as perdas financeiras, o pagamento antecipado de empstimos contraídos pelo BNDES junto ao governo federal também reduziria a dívida bruta do governo. Um desses pagamentos foi realizado em 2016 no valor de R$ 100 bilhões (US$ 29 bilhões); um segundo, no valor de R$ 50 bilhões (US$ 15 bilhões), deverá ocorrer no final de 2017; e um terceiro pagamento está sendo considerado para 2018.


Capítulo VI
Peso da Folha do Funcionalismo Público

Embora somente 12% das despesas primárias do governo federal sejam destinadas à folha de pagamento, a massa salarial agregada do setor público em todos os veis de governo é muito alta para padrões internacionais. Os altos veis de gastos são impulsionados pelos altos salários dos servidores públicos, e não pelo mero excessivo de servidores. Isso se verifica principalmente na esfera federal, onde os salários são significativamente mais altos que aqueles pagos aos servidores dos governos subnacionais, ou aos trabalhadores em funções semelhantes no setor privado. Os altos salários recebidos colocam os servidores federais no topo da pirâmide de renda nacional, o que contribui para aumentar a desigualdade no Brasil. Portanto, espaço para realizar economias significativas por meio da redução dos prêmios salariais pagos aos servidores públicos federais em comparação ao setor privado. Alinhar os salários iniciais aos pagos pelo setor privado e introduzir um sistema mais meritocrático de aumentos salariais reduziriam os custos e aumentariam a produtividade no setor público.

Análise comparativa internacional da massa salarial do setor público
33. A massa salarial do governo geral brasileiro é alta para padrões internacionais. A análise comparativa internacional da massa salarial brasileira como percentual do PIB, das despesas públicas e das receitas evidencia o fato que o Brasil excede a média de todos os grupos de renda. Como percentual do PIB, a folha de pagamento brasileira é mais alta que a de qualquer média regional de países. Como percentual das despesas e receitas fiscais, a massa salarial brasileira fica um pouco abaixo das médias da América Latina e da região do Oriente Médio e Norte da África (MENA); quase se iguala à média da África; e é significativamente superior às médias encontradas na Ásia e Europa.

34. Como percentual do PIB, a massa salarial do Brasil cresceu, excedendo a dia encontrada em países de renda alta. A massa salarial do setor público brasileiro subiu de 11,6% do PIB em 2006 para 13,1% do PIB em2015, superando a Portugal e França, que registravam massas salariais mais altas que o Brasil uma década. Outros países desenvolvidos, tais como a Austlia e os EUA, possuem massas salariais consideravelmente menores (cerca de 9% do PIB), ao passo que o Chile, uma nação latino-americana de renda média, gastou somente 6,4% do PIB em salários do funcionalismo público em 2015.

35. O mero de servidores públicos no Brasil não é extraordinariamente alto, e, da mesma maneira, o tamanho do governo federal não parece ser excessivo. Com base em dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a relação entre o número de funcionários públicos e a população no Brasil (5,6%) é mais alta que a média latino-americana (4,4%). No entanto, esse percentual é bem mais baixo que o encontrado nos países da OCDE, da Europa e da África. Similarmente, o emprego público como parte do emprego assalariado no Brasil parece ser relativamente pequeno, cerca de 18% (ou 24% como parte do emprego formal). Isso indica que o motivo de a massa salarial do setor público brasileiro ser tão alta é o elevado custo dos servidores públicos (altos salários), em vez do excessivo número de servidores. A parcela de servidores blicos federais no Brasil é de apenas 10%, o que é menos do que em outros países federalistas (tais como EUA, Cana e Austlia), onde a maior parte dos serviços que demandam muito pessoal são prestados pelos governos estaduais ou municipais. Os estados e municípios detêm a responsabilidade primária por serviços de saúde, educação e policiamento, e essas funções que demandam mão de obra intensiva justificam o número mais alto de servidores nessas esferas em comparação com o governo federal.

Tendências de gastos e composição da massa salarial do setor público
36. Em linhas gerais, os gastos com salários do funcionalismo blico no Brasil são divididos igualmente entre os governos federal, estaduais e municipais. Os estados e municípios são responsáveis pela maioria das despesas com educação e saúde, e essas áreas representam a maior parte de suas massas salariais. Desde 2010, as despesas com pessoal dos governos estaduais vêm crescendo em termos reais, excedendo aquelas do governo federal, ao passo que os governos municipais têm aumentado seus gastos no mesmo ritmo que o governo federal. Entretanto, em termos de quantidade de servidores públicos, o governo federal possui 10% do total, o que indica que o governo federal gasta mais do que o dobro por servidor que os governos subnacionais. Embora as funções desempenhadas pelo governo federal sejam bem diferentes daquelas realizadas pelos governos subnacionais, essa grande diferença indica que a remuneração dos servidores federais é muito generosa. Seria útil realizar uma análise mais detalhada comparando servidores em funções semelhantes em vários níveis de governo, mas isso ainda não foi feito devido à indisponibilidade de dados.

37. O aumento da massa salarial federal ao longo das duas últimas décadas deveu-se, principalmente, ao aumento da remuneração, ao passo que, em nível subnacional, o crescimento da folha resultou de uma combinação entre aumentos salariais e contratação de mais funcionários. Com base em dados da PNAD combinados com publicações do governo federal (Boletim Estatístico de Pessoal e Informões Organizacionais, MPOG), este relario analisou a evolução do número de servidores públicos nas esferas federais e subnacionais entre 1999 e 2015. Estimou-se, em seguida, a decomposição da massa salarial entre o número de servidores públicos e a remuneração por servidor no Poder Executivo, tanto em nível federal quando subnacional. A massa salarial ao nível federal teve uma forte alta entre 2003 e 2010, impulsionada, principalmente, por aumentos salariais (e não pelo aumento do número de funcionários), mas, desde então, houve uma desaceleração desse crescimento. O custo por servidor aumentou a uma taxa média anual real de 7%, ao passo que o número de funcionários cresceu a uma taxa anual média de aproximadamente 2%. Por outro lado, o pido aumento da massa salarial dos governos subnacionais foi impulsionado na mesma medida por aumentos salariais e por novas contratões. O custo por servidor aumentou a uma taxa média anual real de 2,5%, ao passo que o mero de funcionários cresceu a uma taxa anual média de aproximadamente 3%. A pida expansão do acesso a serviços públicos verificada no Brasil ao longo das duas últimas décadas explica o motivo de o número de servidores nos níveis subnacionais ter crescido além dos índices observados no governo federal.


Estimativa da lacuna salarial ente o setor público e privado
38. Em média, os salários do setor público são muito superiores aos pagos no setor privado. Segundo a PNAD, o setor público agregado (federal e subnacional) paga, em média, salários aproximadamente 70% superiores (R$ 44.000 por ano) aos pagos pelo setor privado formal (R$ 26.000 por ano), e quase ts vezes mais do que recebem os trabalhadores informais (R$ 16.000 por ano) O governo federal paga salários ainda mais altos: com base em dados de 2016, os militares brasileiros recebem, em média, mais do que o dobro pago pelo setor privado (R$ 55.000 por ano), e os servidores federais civis ganham cinco vezes mais que trabalhadores do setor privado (R$130.000 por ano). A remuneração média por funcionário é excepcionalmente alta no Ministério Público Federal (R$ 205.000 por ano), no Poder Legislativo (R$ 216.000 por ano) e no Poder Judiciário (R$ 236.000 por ano), apesar de os salários terem caído em termos reais nos últimos anos. Naturalmente, essas médias cobrem grupos bastante grandes e heterogêneos, e muitos cargos públicos não são facilmente comparáveis a empregos no setor privado. Além disso, é importante observar que os dados não capturam os benefícios não salariais, tais como os bônus recebidos por alguns funcionários do setor privado e os generosos planos previdenciários e outros benefícios concedidos aos servidores públicos.