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quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Globalização e poder militar: lições da história - Democracia e supremacia no sistema internacional (2004) - Paulo Roberto de Almeida

 Um texto que serviu para uma palestra no Uniceub, mas que nunca tinha sido divulgado.

1309. “Globalização e poder militar: lições da história: Democracia e supremacia no sistema internacional”, Brasília, 3 ago. 2004, 14 p. Texto-suporte, elaborado com base no trabalho 1296, para palestra na semana de história do Centro Universitário de Brasília, Uniceub, em 25/08/2004. Disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/108622467/1309_Globalização_e_poder_militar_lições_da_história_Democracia_e_supremacia_no_sistema_internacional_2004_).


Globalização e poder militar: lições da história

Democracia e supremacia no sistema internacional

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Texto-suporte para palestra na semana de história do

Centro Universitário de Brasília, Uniceub

(Brasília, 25 de agosto de 2004)

Sumário: 

1. Do direito da força à força (ainda incipiente) do direito

2. O fim do sistema de Vestfália?

3. A democratização do poder mundial é possível ou realizável?

4. O sistema internacional é igualitário, democrático, eficiente?

5. A igualdade de direito, a desigualdade de fato

6. O novo império e a supremacia universal: estabilidade hegemônica ou novo ciclo?

 

 

1. Do direito da força à força (ainda incipiente) do direito

Depois de uma primeira metade marcada por terríveis guerras que dizimaram milhões de pessoas em várias partes do mundo, o século XX assistiu, em sua segunda metade, à conformação de uma nova ordem internacional fundada antes no direito do que na força bruta, como tinha sido o caso até então. Mas, no início do século XXI, o sistema internacional ainda não constitui, evidentemente, uma ordem equitativa, segura e, sobretudo, estável, que garanta um padrão de vida condigno a todos os habitantes do planeta, ou que os coloque ao abrigo de possíveis ameaças de rupturas indesejáveis nos domínios da ordem política, do bem-estar econômico e da segurança pessoal. Ameaças latentes ainda existem, seja em termos de garantias de paz, seja no terreno da democracia política, seja ainda no estabelecimento de condições materiais mínimas para a preservação de níveis aceitáveis de desenvolvimento humano, em especial nos países menos desenvolvidos. Se o espectro de guerras globais entre as principais potências parece felizmente afastado, conflitos regionais, guerras civis, instabilidade econômica e política e desigualdades sociais persistentes ainda constituem realidades frequentes no cenário atual, com uma incidência mais aguda nos países mencionados. 

Esses problemas constituem a nova fronteira institucional e política do início no novo milênio. O sistema internacional evoluiu positivamente, ao longo do último meio século, no sentido da construção tentativa de uma ordem política mais estável e previsível e de uma arquitetura institucional tendencialmente mais democrática. Esse sistema precisaria fazer, agora, novos progressos materiais e organizacionais na direção da superação desses problemas “residuais” – muitos deles de origem estrutural – que afligem grande parte da população mundial. Um diagnóstico realista das perspectivas que se oferecem nesse terreno indicaria que o sistema de relações internacionais precisaria caminhar para a construção de uma arquitetura política e econômica que possa se basear na governança global e na democracia preventiva. Como sistema de governança global eu não proponho um sistema de controle supranacional baseado na ONU ou qualquer outro órgão político de caráter intergovernamental, mas sim um espaço de desenvolvimento inter-estatal que leve em consideração as novas realidades criadas pela globalização e as estenda a todos os países do planeta, sem distinção de fronteiras políticas. A democracia preventiva pode ser entendida como um sistema que ultrapassa as restrições atuais da soberania absoluta dos Estados, realidade que comanda um respeito total e irrevocável ao princípio da não-intervenção nos assuntos internos. Ela significaria um processo coletivo de tomada de decisões que tenha no respeito aos direitos humanos e na adoção da forma democrática de governo os critérios básicos de participação na comunidade internacional.

 

2. O fim do sistema de Vestfália?

(...)


Ler a íntegra neste link: 

 https://www.academia.edu/108622467/1309_Globalização_e_poder_militar_lições_da_história_Democracia_e_supremacia_no_sistema_internacional_2004_

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

O difícil retorno da democracia na Venezuela: governo do PT parece confiar em Maduro - Fabio Murakawa e Renan Truffi, Valor

 Amorim viaja a Barbados para assinatura de acordo entre Maduro e oposição venezuelana 


Acordo, mediado pela Noruega, terá o Brasil, entre outros países, como testemunha 

Por Fabio Murakawa e Renan Truffi, Valor

O assessor especial da Presidência, Celso Amorim, está em Barbados para a assinatura de um acordo entre o governo Nicolás Maduro e a oposição venezuelana para a realização de eleições presidenciais no país vizinho em 2024. 

O acordo, mediado pela Noruega, deve ser assinado nesta terça-feira e terá o Brasil, entre outros países, como testemunha. Nos últimos meses, Amorim vem atuando no processo de mediação de um acordo entre Maduro e a oposição para a realização de eleições limpas no ano que vem. Em março, ele foi a Caracas, onde se reuniu com integrantes do governo e opositores. 

Também esteve em Bogotá no mês seguinte, para conferências patrocinadas pelo presidente Gustavo Petro para tratar do tema. E, ainda manteve conversas bilaterais com representantes dos governos americano e norueguês. Maduro está no poder desde março de 2013, quando o ex-presidente Hugo Chávez morreu de câncer em Cuba. 

Ele venceu uma eleição presidencial naquele ano e outra em 2018. Entretanto, esse último pleito foi marcado por acusações internas e internacionais de fraudes e irregularidades. Ontem, Lula conversou por telefone com Maduro a respeito do acordo sobre as eleições do ano que vem. 

Os líderes trataram também do pagamento de uma dívida bilionária dos venezuelanos com empresários brasileiros que exportaram seus produtos para lá. Abordaram também o levantamento de sanções dos Estados Unidos ao petróleo produzido no país sul-americano. O Brasil voltou a normalizar as relações com o regime chavista, acusado de sabotar a democracia venezuelana, após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro. 

Seu antecessor, Jair Bolsonaro, reconhecia o então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como governante venezuelano, seguindo uma iniciativa do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Embora houvesse ressalvas, inclusive no Itamaraty, sobre a postura de Bolsonaro, Lula também foi criticado por seu alinhamento a Maduro. Em maio, o presidente chegou a dizer que há uma "narrativa" contra a Venezuela chavista para taxar o regime como uma ditadura.

 A fala de Lula foi criticada por líderes como o presidente do Uruguai, Lacalle Pou (centro direita), e também pelo presidente do Chile, Gabriel Boric, de esquerda. Em um encontro no Itamaraty, Pou afirmou que Lula "tapa o sol com a peneira" quando faz esse tipo de afirmação. Já Boric disse que as declarações de Lula são "descoladas da realidade". 

sábado, 5 de agosto de 2023

Justiça pode estar matando a democracia em nome da defesa da democracia - Fernando Schüler (Veja)

 Anatomia de um instante

Fernando Schüler, Revista Veja (05/08/2023)

Ninguém está acima dos direitos inscritos na Constituição

Sempre gostei das histórias malditas, dos personagens improváveis, que por alguma razão se perdem por aí. Um desses personagens é um comediante chamado Bismark Fugazza, e sua história nos dá um flash do transe brasileiro atual. Fugazza e um colega haviam denunciado o ministro Alexandre de Moraes à Corte Interamericana de Direitos Humanos, por violar os “direitos de liberdade de expressão” no país, com “várias prisões” e “multas desproporcionais” sem o devido processo legal. Foi preso no Paraguai, com direito a uma operação internacional e a fechar por alguns minutos a Ponte da Amizade, e passou três meses em cana. O motivo é o de sempre, as “ameaças à democracia” e coisas afins. Na cobertura do caso, quase nenhuma, o carimbo “influenciador bolsonarista” parece resumir a questão. O relatório da Polícia Federal sobre o seu caso foi taxativo: “Não foi possível evidenciar, de maneira minimamente razoável, que Fugazza tenha promovido atos atentatórios às instituições democráticas no 8 de Janeiro”.

Casos como este se tornaram a mais perfeita banalidade por aqui. Um dos mais curiosos foi o do youtuber Monark, banido das redes sociais por espalhar “desinformação” sobre o processo eleitoral. “A gente vê o TSE censurando gente”, disse ele, “e impedindo a transparência das urnas? Você fica desconfiado. Que maracutaia está acontecendo nas urnas ali?”. Foi banido, e logicamente é inútil perguntar se há alguma lei no país tipificando um crime de “desconfiança”. Monark simplesmente deu sua opinião, na forma de uma pergunta perdida em meio a uma conversa fiada, ademais perfeitamente irrelevante, com a qual cada um pode ou não concordar.

Não faço ideia se alguém seriamente acredita que reprimir essas pessoas atende a algum imperativo de “defesa da democracia”. Desconfio que não. As eleições já vão longe, há um certo cansaço disso tudo, e de certa forma o ministro Barroso matou a charada naquele discurso sem muitos rodeios, no Congresso da UNE. “Derrotamos o bolsonarismo.” Ponto. Difícil ir mais longe nesta análise. A esta altura do jogo, não acho que valha muito a pena fazer longas considerações sobre o sentido do estado de direito, sobre o quanto é absurdo e inaceitável que a Justiça tome partido, que direitos individuais sejam tão escrachadamente violados, que a censura prévia seja banalizada, e tudo o que todos estão cansados de saber. Ainda por estes dias lia um belo texto referindo-se à visão do grande Isaiah Berlin sobre o sentido da liberdade, no mundo político. A ideia de que “só ela era capaz de respeitar nossas almas divididas e o conflito sem fim entre nossos objetivos e valores”. Berlin fala do aprendizado moderno que vem de Montaigne, de John Locke, e cuja síntese é: não concordamos com as ideias uns dos outros, nossos deuses se opõem e nossos valores são frequentemente incompatíveis entre si. E, apesar disso, precisamos viver juntos. O que só é possível se a regra do jogo for dada pela liberdade, pelo respeito à regra imparcial, pelo mais amplo direito à expressão. Do contrário, resta a violência. Resta ficar prendendo comediantes e palpiteiros por aí, como em uma máquina que subitamente ganha vida própria.

Diante do estado de coisas a que chegamos, há diferentes atitudes. A primeira é dos entusiastas. A turma que saliva por entre os caninos a cada inimigo banido, preso, seja o que for. Dias atrás li um desses. “Não é hora de recuar”, berrava, abusando dos pontos de exclamação. É difícil saber o tamanho exato dessa turma, mas ela parece majoritária, nos meios de opinião. Para essas pessoas, coisas como “estado de direito” ou “tipificação legal” não passam de conversa pra boi dormir, como escutei de um ativista, em um dia nervoso. Desde que o mundo é mundo, a paixão militante soube justificar qualquer coisa. Não conheço um só episódio, na história, em que se praticou a censura em nome da censura. Os motivos sempre foram os melhores. A nação, a liberdade, a própria democracia. Não há propriamente originalidade no caso brasileiro.

A segunda atitude é a do medo. Quando um deputado é banido das redes, por uma decisão de ofício, qual o efeito que isso produz em seus pares? Quando os constituintes criaram o estatuto da imunidade parlamentar, era exatamente para que um deputado pudesse falar sem medo. Vale o mesmo para o jornalismo, e para qualquer cidadão, que ganhou o poder de palpitar em uma rede social. Nos tornamos a democracia do chilling effect, o “efeito inibidor”. O jurista ilustre para quem você liga lhe dá uma visão bastante crítica sobre todos esses temas, mas ao final diz, algo constrangido, “só não me cite, por favor”.

Ainda outra atitude, cada vez mais comum: a indiferença. A agressão a direitos, em um primeiro momento, causa indignação. Sua repetição, porém, nem tanto. Torna-se status quo, e vamos nos ajustando. Isso é comum em longas ditaduras. Alguém por acaso dá bola para presos políticos cubanos? Acompanho seu drama, em sites precários, aos quais ninguém mais presta muita atenção. Em democracias que deslizam para o iliberalismo, isto não é muito diferente. Baniram o Guilherme Fiuza? Aquele que escreveu Meu Nome Não É Johnny? E daí? Pois é. Isto tem lá sua racionalidade. Bancar o herói, numa época difícil, pode ser uma atitude de risco. Melhor ficar escondido, por aí, nos grupos de WhatsApp, mudando de assunto, apostando em alguma forma de autoengano.

Há ainda uma última atitude, dada pela insistência calma em certos princípios. Não é preciso ser nenhum herói para fazer isso. Basta fica de pé. Resistir ao frenesi militante e suas bizarrices, e a toda forma de abuso de poder. Sobre isso há uma lição magistral de Javier Cercas, em seu Anatomia de um Instante, que durante bom tempo foi meu livro de cabeceira. O livro é uma crônica da política espanhola dos anos 1980, época de transição, depois da ditadura franquista. Em um dado momento, há uma tentativa de golpe. Seu líder é o coronel Antonio Tejero, um tipo que parece saído de uma novela de Vargas Llosa. Ele invade o parlamento e mantém sua pantomima por uma madrugada inteira, até se entregar, no dia seguinte. Cercas escreve seu livro a partir de uma fotografia feita no exato instante em que Tejero invade o parlamento e abre fogo contra os deputados. A imensa maioria se esconde embaixo das cadeiras. Permanecem imóveis apenas três parlamentares, entre eles Adolfo Suárez, sentado, calmo e impassível, na primeira fila. “Não achei que ficaria bem para um líder de governo atirar-se para baixo de uma cadeira”, ele diria, depois, recusando-se a atribuir a si qualquer traço de heroísmo.

É uma boa metáfora para o Brasil de hoje. Tanto lá, como aqui, não precisamos de heroísmo algum, apenas de pessoas que se disponham a ficar no mesmo lugar. Permanecer impassíveis, em meio ao transe coletivo, nos lembrando que a lei deve ser preservada, que a opinião, detestável que seja, deve ser livre, que ninguém está acima dos direitos inscritos na Constituição, que o juiz não pode entrar em campo para derrotar este ou aquele lado do jogo. Coisas elementares que definem uma boa democracia, e das quais definitivamente não deveríamos abrir mão.

sábado, 15 de julho de 2023

O Itamaraty lulopetista está ficando estranhamente parecido com o Itamaraty bolsonarista -Editorial do Estadão

 Confesso que não me surpreende: era até esperado, dado o registro do passado recente… (PRA)

Hora de mudar o tom com Maduro

Editorial, O Estado de S. Paulo, 15/07/2013

Governo informa que acredita em eleições livres na Venezuela, mas é preciso cobrar isso do ditador

O governo federal anunciou há poucos dias que pretende manter relações com a Venezuela, malgrado a ditadura de Nicolás Maduro cassar, sistematicamente, os direitos políticos de todos os opositores que representem ameaça à sustentação do caudilho no poder. A mais recente vítima das garras de Maduro foi a ex-deputada María Corina Machado, favorita para representar a oposição na eleição presidencial de 2024.

Ao Estadão, a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, anunciou que a posição do governo segue inalterada na relação com a Venezuela, mesmo após a ditadura inabilitar María Corina para o exercício de cargos públicos por 15 anos sem apresentar razões consistentes para a condenação. “Nossa posição não muda, de sempre buscar dialogar com a Venezuela, em favor de que no ano que vem haja eleições livres, transparentes e abertas”, disse a diplomata, reforçando que isolar a Venezuela “não resolve”.

De fato. Ninguém em sã consciência espera que o Brasil corte relações com a Venezuela, um país com o qual compartilha uma fronteira de mais de 2 mil km. Ademais, entre os dois países há interesses de Estado, perenes, e não só de governo, circunstanciais. Há questões políticas, comerciais e humanitárias nessa relação que, para serem bem encaminhadas, dependem fundamentalmente da existência de canais de diálogo desobstruídos. No entanto, se é importante para o Brasil não isolar a Venezuela, como disse a embaixadora com razão, a questão de fundo é saber sobre qual base e com qual objetivo se sustenta essa relação.

Lula sabe com quem está lidando. Sua condescendência com os desmandos do “companheiro” Maduro é notória. Tampouco há ingênuos no Itamaraty. Como esperar, então, que o mesmo regime que, entre outras barbaridades, cassa reiteradamente opositores por temer o escrutínio público e a supremacia da vontade popular seja capaz de promover “eleições livres, transparentes e abertas”? Ora, nem a ONU acredita nisso, haja vista o recente relatório de seu Conselho de Direitos Humanos atestando que a ditadura de Maduro “não cumpre, de maneira nenhuma, as condições mínimas para a realização de eleições livres e confiáveis” na Venezuela.

O Brasil não só pode, como deve manter o diálogo com a Venezuela, mas esse diálogo não pode ser fajuto nem, menos ainda, desrespeitoso aos princípios norteadores da política externa brasileira – sobretudo a defesa do Estado Democrático de Direito e dos direitos humanos. Fajutas serão as eleições de 2024 no país vizinho se aos candidatos de oposição não forem asseguradas as condições de competir com liberdade e paridade de armas. Ao que tudo indica, o pleito será apenas mais um simulacro, como tantos outros que têm eternizado Maduro no Palácio de Miraflores.

Qualquer relação do Brasil com a Venezuela que não sirva para ajudar aquele país a reencontrar o caminho da normalidade institucional e democrática é um desserviço ao povo venezuelano e uma violação da Constituição de 1988.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Israel e a democracia - Tom Friedman (NYT, Estadão)

 Thomas Friedman: Biden envia uma mensagem clara a Israel, em 46 palavras

Por Thomas L. Friedman
NYTimes, Estadão, 14/02/2023

Acordei na manhã de sábado, li as notícias dizendo que em Israel, pelo menos 50 mil pessoas tinham acabado de participar de mais uma manifestação contra os planos do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que busca limitar a independência da suprema corte israelense e subjugá-la a si próprio, em um momento em que o próprio Netanyahu é investigado por corrupção, e fiz a mim mesmo uma pergunta simples: “O que o presidente Joe Biden acha disso?”

Instintivamente, Biden é um dos presidentes que mais defendem Israel dentre os que já acompanhei. Ele também tem uma longa relação de respeito mútuo com Netanyahu. Então, posso dizer que qualquer comentário de Biden a respeito de Israel é fruto de uma preocupação sincera.

Uma preocupação com a transformação radical do sistema judiciário de Israel que a coalizão ultranacionalista e ultrarreligiosa de Netanyahu busca aprovar à força na Knesset e a possibilidade de ela danificar seriamente a democracia do país, e consequentemente, seus laços com os Estados Unidos e as democracias de todo o mundo.

Eis a declaração que Biden me enviou na tarde de sábado quando pedi a ele que comentasse a situação: “O que a democracia americana e a democracia israelense têm de genial é o fato de serem ambas alicerçadas em instituições robustas, em sistemas de freios e contrapesos, em um judiciário independente. A formação de consensos para mudanças fundamentais é muito importante para garantir a adesão das pessoas, de modo que tais mudanças sejam sustentadas”.

‘Orbanização’
É a primeira vez que me lembro de ver um presidente americano opinar a respeito de um debate interno israelense envolvendo o próprio caráter da democracia do país. E ainda que sejam poucas palavras, a declaração de Biden é feita em um momento crucial desta importantíssima discussão interna em Israel, podendo energizar e expandir a já significativa oposição àquilo que os adversários de Netanyahu estão chamando de golpe dentro da lei, podendo situar Israel entre os países que vêm se afastando da democracia, como Turquia, Hungria e Polônia.

Eis o motivo de as palavras de Biden serem tão importantes: primeiro, ele se coloca claramente em defesa da abordagem conciliadora pedida pelo presidente israelense Isaac Herzog, e defende claramente a independência do judiciário de Israel, amplamente respeitado.

Ainda que a presidência de Israel seja um cargo principalmente simbólico, atribui-se a ela peso moral. Herzog é um bom homem que tenta afastar o que teme ser o caos civil mais grave já visto na sociedade israelense caso seja aprovada tamanha mudança no judiciário do país, parcialmente inspirada por um centro de estudos estratégicos de extrema-direita.

Herzog pediu a Netanyahu e sua coalizão que recuem e organizem algum tipo de diálogo nacional e bipartidário que possa estudar pacientemente o tipo de mudanças judiciais que poderiam ser saudáveis para Israel, fazendo isso com especialistas em direito e de maneira não partidária, preservando a integridade do sistema judicial que existe desde a fundação de Israel.

Infelizmente, Netanyahu rechaçou o presidente israelense, levando Herzog a dizer no dia 24 de janeiro, a respeito da dita reforma do judiciário: “Os alicerces democráticos de Israel, incluindo o sistema de justiça, os direitos humanos e as liberdades, são sagrados, e devemos protegê-los e os valores expressos na declaração de independência. A reforma dramática, se implementada rapidamente sem negociação, inflama a oposição e as preocupações do público”. Ele acrescentou, “A ausência de diálogo está nos dilacerando internamente, e digo claramente: este barril de pólvora está prestes a explodir. Isso é uma emergência”.

Adversários de Netanyahu estão chamando plano de golpe dentro da lei, podendo situar Israel entre os países que vêm se afastando da democracia, como Turquia, Hungria e Polônia.

Pressão sobre Bibi
Com as palavras de Biden, Netanyahu se vê agora em uma situação na qual, se insistir em seguir no rumo apesar de tudo, estará contrariando não apenas o presidente de Israel, mas também o presidente americano. Não é pouca coisa. Também suspeito que o posicionamento de Biden nessa questão, comedido e claro, incentivará outras lideranças democráticas, lideranças empresariais, senadores americanos e demais representantes a fazer o mesmo, o que vai energizar a oposição.

A segunda razão da importância das palavras de Biden é o momento em que ele se manifesta, que não poderia ser mais importante. Na segunda-feira, 13, a primeira leitura no Parlamento de alguns dos aspectos mais controvertidos da reforma judicial de Netanyahu foi feita. Uma proposta de lei deve passar por três leituras antes de se tornar lei, e a coalizão indicou que busca uma aprovação relâmpago do texto no Knesset até abril.

Biden está indicando que, faça o que fizer, Israel não deve se afastar fundamentalmente desses valores compartilhados com os EUA

Um golpe contra o Judiciário
Em terceiro, Biden situou a si mesmo e aos EUA claramente do lado da maioria israelense que se opõe à aprovação apressada das “reformas” de Netanyahu em um episódio que cada vez mais parece um putsch jurídico.

Uma pesquisa de opinião publicada na sexta feira “indica que mais de 60% do público querem que o governo suspenda ou atrase seus esforços legislativos para enfraquecer dramaticamente a Suprema Corte de Justiça e garantir o controle político das nomeações para o judiciário”, informou o Times israelense.

Isso também coloca os EUA claramente ao lado do procurador-geral do próprio Netanyahu quando este ocupou o cargo pela última vez, Avichai Mandelblit — que indiciou Netanyahu em 2020 por acusações de fraude, suborno e quebra de confiança, e que denunciou as alterações judiciais de Netanyahu como tentativa disfarçada de acabar com o próprio julgamento e evitar a prisão.

Falando ao programa “Uvda”, da TV israelense, Mandelblit disse que as amplas reformas propostas por Netanyahu para o judiciário “não são uma reforma”, e sim uma “mudança de governo”.

Como Israel não possui uma constituição e o executivo sempre controla o Knesset, Mandelblit explicou que a única separação entre os poderes — o único contrapeso para o executivo — é o judiciário israelense e a Suprema Corte. E o que Netanyahu está propondo é que uma maioria simples no Knesset — 61 dos 120 assentos — tenha poder para rejeitar qualquer decisão da Suprema Corte. Com a menor das maiorias, o governo seria capaz de aprovar qualquer lei que desejasse.

O plano de Netanyahu também daria ao governo o controle da escolha dos juízes, há muito responsabilidade de uma comissão independente, e removeria também os conselheiros jurídicos independentes (supervisores internos) de cada ministério. Atualmente, estes são nomeados pela comissão de serviços civis e só podem ser afastados pelo procurador-geral. Em vez disso, Netanyahu quer que sejam nomeados por cada ministro, a quem seriam leais.

Somando-se tudo, o resultado seria um governo eleito por 30 mil votos dentre um eleitorado de 4,7 milhões assumindo controle total da Suprema Corte, da escolha dos juízes e dos conselheiros jurídicos de cada ministério.

“Não posso me calar”, concluiu Mandelblit. “Se não houver judiciário independente, será o fim. Teremos um sistema de governo diferente.” O governante “vai decidir”, acrescentou ele. “Terá seus próprios procuradores, seus próprios conselheiros jurídicos, seus próprios juízes. E se as pessoas nesses cargos forem pessoalmente leais a ele, não haverá primazia da lei. É um buraco sem fundo que vai nos engolir a todos.”

Finalmente, o que Biden fez dará credibilidade à voz dos EUA em apoio à democracia global. Vê-se que os EUA não se manifestam somente quando a China esmaga a democracia em Hong Kong. Os americanos se manifestam ao ver a democracia ameaçada em qualquer lugar. Com frequência, os EUA criticaram abusos dos direitos humanos cometidos por Israel no tratamento dos palestinos na Cisjordânia ocupada. Mas não me lembro de um presidente americano ter criticado mudanças propostas na natureza democrática do estado israelense, pois nenhum presidente teve que fazer isso até semanas atrás.

Uma aliança em risco
Se a mensagem de Biden não for clara o suficiente para a coalizão de Netanyahu, vou tentar traduzi-la nos termos mais simples possíveis: os EUA apoiaram Israel militarmente e diplomaticamente, com bilhões de dólares oferecidos como auxílio desde a fundação do país, mas não por partilhar dos seus interesses. Nem sempre seus interesses coincidem. Israel manteve-se neutro no conflito entre Ucrânia e Rússia, mostra-se indiferente aos abusos dos direitos humanos no Egito e na Arábia Saudita, e empresas israelenses às vezes vendem à China tecnologias de defesa que preocupam muito o Pentágono. Oferecemos muito apoio a Israel desde a sua fundação porque acreditamos que o país partilha dos nossos valores.

E mesmo quando, em Gaza ou na Cisjordânia, Israel se comporta de maneiras que não condizem com nossos valores, os israelenses frequentemente os retomam como referência. Eles nos dizem: “Ei, americanos, sejam menos rigorosos. Vivemos em constante conflito violento com os palestinos. Habitamos uma região louca. E ainda assim conseguimos manter a supervisão judiciária de nossas forças armadas, instituições democráticas sólidas, um judiciário independente e uma imprensa livre”.

Essa linha de raciocínio é seriamente ameaçada pelo que Netanyahu está tentando fazer. E, na ausência dessa coincidência de valores, o que resta? Interesses partilhados não serão suficientes, pois estes são transitórios.

É por isso que as palavras de Biden são tão importantes. Com essas palavras, Biden está dizendo a Israel que nossa relação nunca se baseou de fato em interesses compartilhados. Sempre teve como base os valores que partilhamos. É por isso que durou tanto tempo, mesmo quando nossos interesses divergem. Com essa simples declaração, Biden está indicando que, faça o que fizer, Israel não deve se afastar fundamentalmente desses valores compartilhados. Caso contrário, estaremos em um mundo inteiramente novo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Brasil, com G20 em 2024, pode liderar aliança global pró-democracia? Ilusão completa de ativista pró-democracia - Fernanda Mena (FSP)

Brasil, com G20 em 2024, pode liderar aliança global pró-democracia, diz ativista

Após ataques em Brasília, Salil Shetty, da Open Society Foundations, vê Lula capaz de unir forças contra avanços da extrema direita

Fernanda Mena

Folha de S. Paulo, 16.jan.2023


Ainda sob o impacto dos ataques golpistas em Brasília no último dia 8, ter a oportunidade de presidir a reunião do G20 em 2024 dá ao Brasil condições de ser protagonista de uma aliança global pró-democracia —de resto uma prioridade estabelecida por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a recolocação do país na arena da diplomacia.

Mais ainda porque o encontro das principais economias do mundo, que costuma ser palco de debates cruciais para as relações internacionais, não deve avançar na construção de pactos do tipo no encontro deste ano, presidido pela Índia.

O primeiro-ministro Narendra Modi vem implementando com sucesso a cartilha iliberal das novas lideranças da ultradireita nacionalista —incluindo ataques à imprensa e a instrumentalização da Justiça. Não à toa, nos principais índices que medem a saúde das democracias do planeta o país foi rebaixado para "democracia parcialmente livre" (Freedom House), "autocracia eleitoral" (V-Dem) ou "democracia deficiente" (The Economist).

É uma história familiar para o indiano Salil Shetty, vice-presidente global de programas da Open Society Foundation (OSF), organização filantrópica do megainvestidor George Soros, hoje impedida de atuar em Nova Déli sob Modi.

"Na Índia a situação é difícil para muitas organizações. A OSF foi colocada numa lista de vigilância do governo e não pode financiar atividades", conta ele, que foi secretário-geral da Anistia Internacional de 2010 a 2018. "O escritório da Anistia foi fechado, assim como o do Greenpeace. E a licença da Oxfam está com os dias contados."

Ativista de longa data em justiça e combate à pobreza, Shetty hoje também lidera pesquisas no âmbito da Universidade Harvard sobre resistência a regimes autoritários que foram eleitos, nas quais esquadrinha os movimentos de base e da sociedade civil organizada que lutam contra retrocessos nas democracias de sete países: Brasil, EUA, Filipinas, Hungria, Índia, Quênia e Turquia.

Para ele, é o Brasil sob Lula a nação capaz de unir forças pró-democracia e direitos humanos para fazer frente aos avanços da extrema direita global.

"O país pode começar essa aliança desde já, a partir do Sul Global, e envolver outras democracias no encontro de 2024", avalia ele, que também dirigiu a Campanha do Milênio das Nações Unidas e foi diretor-executivo da ONG ActionAid.

Shetty afirma que as semelhanças entre o ataque em Brasília e a invasão do Capitólio nos EUA, dois anos antes, não passaram despercebidas. "Assim como as forças antidemocráticas estão colaborando umas com as outras globalmente, é crucial a reunião de forças pró-democracia e de direitos humanos em nível global, entre atores públicos e privados. O governo Lula, e ele pessoalmente, podem desempenhar um papel fundamental nisso."

Para o executivo da OSF, o vandalismo do 8 de Janeiro, além de chocar o mundo pela destruição nas sedes dos Três Poderes e pela inação das forças de segurança do Estado, representa "um lembrete sombrio do enorme trabalho necessário ao novo governo para garantir o cumprimento da lei e reverter as profundas divisões da sociedade" no Brasil.

"Foi um chamado para o país todo despertar sobre a fragilidade da democracia brasileira e a necessidade de que movimentos sociais sigam alertas e mobilizados em apoio maciço aos direitos humanos e à democracia", afirma.

Nesse sentido, continua, os desafios pós-eleitorais são tão grandes quanto os vencidos no pleito que derrotou Jair Bolsonaro (PL). "Foi uma vitória importante, mas muito apertada. O novo governo tem que apertar o passo na aproximação das divisões da sociedade e numa educação para a democracia."

Shetty esteve no Brasil no início de dezembro para se reunir com ativistas e colher estratégias que potencialmente corroboraram para a derrota nas urnas do agora ex-presidente, que tinha a máquina do Estado a seu favor. "O que os ativistas brasileiros parecem ter feito, e que não vi em outros lugares, foi superar os próprios círculos. Talvez a situação estivesse tão ruim que as pessoas se articularam para se tornar parte de algo maior."

Enquanto alguns grupos impuseram desafios ao governo por meio de ações na Justiça, outros articularam protestos públicos ou atuaram nas plataformas digitais, expondo abusos do governo em posts, vídeos e sites a partir de linguagens de denúncia e de humor. "Essa comunicação em público fez um trabalho incrível e quebrou barreiras entre grupos", diz Shetty.

Ele avalia que Bolsonaro impôs uma crise existencial a diversos grupos sociais, que uniram esforços diante do desafio. "Afro-brasileiros, indígenas, ambientalistas, feministas e outros ativistas se uniram. E esses são grupos que não se juntam facilmente", diz, aos risos. "No Brasil, eles atravessaram suas fronteiras de maneira impressionante. E essa articulação se tornou fonte de inspiração para a resistência em outras partes."

Para Shetty, outros países têm muito a aprender com o Brasil no campo da resistência articulada de movimentos —que serão fundamentais, em sua visão, para sustentar e monitorar o novo governo. "O mundo está olhando para o Lula, para que cumpra um papel importante no cenário internacional e na política externa. Para desafiar ataques à democracia e fazer propostas, tanto na resistência a autocratas quanto na construção de uma democracia que entregue resultados para as pessoas na ponta."

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/01/brasil-com-g20-em-2024-pode-liderar-alianca-global-pro-democracia-diz-ativista.shtml

 

domingo, 20 de novembro de 2022

O nascimento da democracia moderna na Inglaterra medieval: os estatutos de Oxford (1258)

A Magna Carta (1215) teve várias versões depois do famoso documento que dizia que "ninguém está acima da lei, nem mesmo o rei", mas ele não estatuía exatamente como o governo do rei seria conduzido, tarefa que coube às provisões estabelecidas posteriormente em Oxford, estabelecendo claramente as funções de um Parlamento eletivo e se reunindo regularmente três vezes num ano, outubro, fevereiro e junho. Vejamos como isso ocorreu, num resumo extraído da história da Inglaterra: 

https://thehistoryofengland.co.uk/resource/the-provisions-of-oxford/

The Provisions Of Oxford, 1258

The Provisions of Oxford are one of the most radical documents in English history, if such a sentence means anything – they were such a change from the medieval way of doing things that Louis IXth of France said that he would rather break clods behind the plough than rule in this way. The Provisions reduced the king to a cipher – no longer controlling the appointment his ministers, and subject to a small council. In the end it failed, and we will have to wait for another 400 years for anything as radical. But it had an enormous influence, and ushered in the Parliamentary state for good. 

The Provisions of Oxford, 1258

The provision made at Oxford

It has been provided that from each county there shall be elected four discreet and lawful knights who, on every day that the county is held [i.e. the county court], shall assemble to hear all complaints touching any wrongs and injuries inflicted on any persons by sheriffs, bailiffs, or any other men, and to make the attachments that pertain to the said complaints until the first arrival of the chief justiciar in those parts: so that they shall take from the plaintiff adequate pledges for his prosecution, and from the defendant for his coming and standing trial before the said justiciar on his first arrival; and that the four knights aforesaid shall have all the said complaints enrolled, together with their attachments, in proper order and sequence — namely, for each hundred separately and by itself — so that the said justiciar, on his first arrival, can hear and settle the aforesaid complaints singly from each hundred. And they shall inform the sheriff that they are summoning all his hundredmen and bailiffs before the said justiciar on his next arrival, for a day and a place which he will make known to them: so that every hundredman shall cause all plaintiffs and defendants of his bailiwick to come in succession, according to what the aforesaid justiciar shall bring to trial from the aforesaid hundred; also as many men and such men — both knights and other free and lawful men — as may be required for best proving the truth of the matter, in such a way that all are not troubled at one and the same time; rather let as many come as can be tried and concluded in one day.

Also it is provided that no knight of the aforesaid counties, by virtue of an assurance that he is not to be placed on juries or assizes, shall be excused by a charter of the lord king or be exempt from  this provision thus made for the common good of the whole kingdom.

(...)

Concerning the parliaments, as to how many shall be held annually and in what manner

It should be remembered that the twenty-four have ordained that there are to be three parliaments a year: the first on the octave of St. Michael, the second on the morrow of Candlemas, and the third on the first day of June, that is to say, three weeks before St. John [this means 6th October, 3rd February and 3rd June]. To these three parliaments the chosen councillors of the king shall come, even if they are not summoned, in order to examine the state of the kingdom and to consider the common needs of the kingdom and likewise of the king; and by the king’s command also at other times, whenever it is necessary. So too it should be remembered that the community is to elect twelve good men, who shall come to the three parliaments and at other times, when there is need and when the king and his council summon them to consider the affairs of the king and the kingdom. And the community shall hold as established whatever these twelve shall do — and this is to reduce the cost to the community. Fifteen are to be named by these four men — that is to say, by the earl Marshal, the earl of Warwick, Hugh le Bigot, and John Mansel — who have been elected by the twenty-four to name the aforesaid fifteen, who are to form the king’s council. And they are to be confirmed by the aforesaid twenty-four, or by the majority of those men. And they shall have the power of advising the king in good faith concerning the government of the kingdom and concerning all matters that pertain to the king or the kingdom; and of amending and redressing everything that they shall consider in need of amendment or redress. And [they shall have authority] over the chief justice and over all other people. And if they cannot all be present, that shall be firm and established which the majority of them shall enact.


sábado, 8 de outubro de 2022

Um debate sobre as relações, sempre contraditórias, entre capitalismo e democracia - Tomas Guggenheim, Paulo Roberto de Almeida

 Parti da seguinte argumentação do colega e amigo Tomas Guggenheim, sobre a base de um artigo do Fareed Zakaria sobre as frustrações pelo fato de a China não se ter democratizado a partir de sua caminhada para a economia de mercado: 

Em 8 de out. de 2022, à(s) 10:41, Tomas Guggenheim escreveu:

Muito ilustrativo. Na fase de otimismo após o fim do império soviético, difundiu-se a versão de que a China se tornaria uma democracia com o avanço do seu setor privado e isso justificou até aprovar a classificação do país como "economia de mercado" na OMC, como se estivessem apenas adiantando uma realidade que se imporia "inevitavelmente".
Mas todos os líderes políticos, todos os interessados em política, história e até a torcida do Flamengo sabiam que o capitalismo é essencial para a preservação da democracia, mas a recíproca nunca foi verdadeira, ainda mais quando o capitalismo de estado domina os setores estratégicos da economia.
Não havia ilusão, apenas uma expectativa, que foi preservada nas manifestações dos dirigentes, grande mídia, lideres de opinião, etc porque crescia exponencialmente a terceirização, o off-shoring e a ânsia irrefreável de ter acesso ao mercado interno chinês - e são raros os que criticam um consenso que reflete interesses econômicos (e políticos) tão amplos, quase universais, se incluirmos os interesses por exportação de commodities e financiamentos dos países em desenvolvimento.
Agora, com os efeitos da COVID sobre as "cadeias de valor", a política crescentemente agressiva de Xi e a caracterização da China como uma ameaça (econômica, tecnológica e militar) aos Estados Unidos, tornou-se corrente reconhecer publicamente os riscos e inconvenientes de uma dependência excessiva daquele país e o discurso dominante mudou em consequência. 
 

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Comentário PRA: 

Os paradoxos da economia de mercado e as ambiguidades das relações entre capitalismo e democracia podem desafiar os argumentos dos melhores analistas. 

Nenhum é absolutamente condicional do outro, mas é um fato que economias não capitalistas e sistemas estatizados são pouco propensos à uma democracia de mercado, e portanto mais propensos a sistemas autoritários, quando não ditatoriais.
Em primeiro lugar é preciso distinguir entre economias de mercado e capitalismo, que é apenas uma de suas muitas formas, nem sempre a mais frequente. Capitalismo é apenas um forma de organizar a produção em massa, mas economias de mercado podem ter diversas outras formas. 
Vamos ver concretamente as coisas e nem preciso me referir ao livreto do Friedman de 1962, Capitalism and Freedom, no qual ele coloca que o capitalismo é uma condição necessária, mas não suficiente para uma democracia. Tem muitos senões entre um e outro.
A China é bem mais uma economia de mercado hoje do que jamais foi no passado, mas NUNCA foi uma democracia. Saiu de um império centralizado (com economia de mercado), para o caos da República, e depois mergulhou na guerra civil e no maoismo demencial, que nem criou um socialismo puro no modelo do Gosplan soviético. Pode-se dizer que os 70 anos de leninismo na Rússia realmente abalaram as bases da sociedade russa, fazendo a ficar muito pior do que sob o despotismo czarista, que estava industrializando a Rússia com base em fundamentos de mercado. Houve uma destruição de instituições de mercado, numa nação que tampouco tinha sido democrática, salvo aquilo que Weber chamou de “democracia de fachada” entre março e outubro de 1917.
Mas a China só teve uns 30 anos de maoismo demencial, que apenas desmantelou o que havia de economia natural e de mercado no país, mas conseguiu manter um sistema de governança leninista muito mais eficiente do que  o bolchevismo, pois que baseado num novo tipo de mandarinato, o do PCC. 
Em 2001, a China foi admitida no Gatt-OMC, mas tinha um prazo de 15 anos para provar que poderia ser uma economia de mercado, o que ela EFETIVAMENTE É, mas sob o controle do mesmo partido leninista-mandarinesco.
Em 2002, o G7 de Kananaskis reconheceu a Rússia (pós-leninista) como economia de mercado, apenas por razões políticas, sendo que a Rússia era muito menos de mercado do que a China leninista-capitalista. A Rússia só ingressou na OMC em 2015, e a China, que deveria ser admitida como economia de mercado em 2016 jamais o foi, apenas por causa de seu regime político, não pela falta de capitalismo.
Sintetizando: a China é um capitalismo com características chinesas – isto é, despotismo oriental, que atualmente é o partido leninista-meritocrático – e a Rússia é um crony-capitalism e uma cleptocracia. 
Independentemente dessas considerações baseadas em exemplos práticos, não cabe a acadêmicos teorizarem sobre aquelas relações apenas com base em suposições. Eu, por exemplo, considero o Brasil um país quase fascista no controle estatal não só da economia de mercado mas sobre a vida das pessoas. 
Mas, o Brasil vai ter um governo fascista se o Bozo ganhar? Não acredito nisso. Apenas terá um governo de direita, ou de extrema-direita, como muitos outros países, que são democracias de mercado.
Apenas acho que a nossa democracia é de baixíssima qualidade e nosso capitalismo é altamente controlado pelo Estado.
Ambiguidades e paradoxos, como disse ao início.
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Paulo R. de Almeida

domingo, 28 de agosto de 2022

A ideia de democracia - André Spritzer (Estado da Arte)

 Novo artigo de André Spritzer no @oestadodaarte, dessa vez explorando a ideia de democracia: sua definição, sua complexidade e o que a sustenta. Falamos muito dela e tratamos como algo óbvio, mas na verdade é muito menos trivial do que parece à primeira vista.

https://t.co/wB3OgXQJ4q 

Democracia: qual?

por André Spritzer

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(Leo von Klenze, 1846)

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Praticamente todos dizemos prezar pela democracia e a defesa dela é algo constante no debate público em todos os cantos do espectro político-ideológico. No entanto, apesar de ser sempre tratado como algo positivo, o termo “democracia” é raramente definido e costuma significar coisas diferentes para pessoas diferentes.

Enquanto uns tratam democracia como sinônimo de eleições e de um princípio de “maioria-ganha”, outros consideram o termo como indicativo de algum tipo de igualdade—seja esta material, de direitos ou de oportunidades. Há, ainda, aqueles que associam democracia a mobilizações populares, como protestos e ativismo, ou à defesa de direitos individuais e da liberdade.

Como podemos ver, democracia não é exatamente um conceito óbvio e trivial. Mas o que então seria democracia? E por que ela é tão desejável, a ponto de até governos autocráticos tentarem se apresentar como democráticos?

Como aprendemos na escola, a palavra “democracia” vem do grego e significa “governo do povo”, sendo a união dos termos demos (povo) e kratia (governo). A democracia original teve seu apogeu em Atenas do século VI a.C. e envolvia a participação direta dos cidadãos do sexo masculino em uma assembleia (excluindo, portanto, mulheres, estrangeiros e escravos—ou seja, a maior parte dos habitantes), com votações baseadas na regra da maioria. Ao contrário do que poderíamos imaginar, não era um sistema automaticamente associado a algo bom e virtuoso—era, de fato, bastante questionado por ser suscetível a demagogos e potencialmente resultar em governos ruins (Platão chegou a compará-la a entregar o comando de um navio a um ignorante despreparado ao invés de a um navegador treinado). Essa imagem negativa perdurou até o surgimento da democracia moderna no século XVIII, combinando participação indireta pela eleição de representantes com as ideias liberais de limitação do poder do estado e defesa da liberdade e dos direitos do indivíduo. Essa variante, chamada hoje de democracia liberal, seria irreconhecível para um ateniense do século VI a.C., mas sua essência de ser um sistema de governo que envolve algum componente de participação popular se mantém.

A ideia de democracia enquanto participação sustenta uma das principais formas de pensar a democracia, originada no século XVIII através do pensamento de autores como o filósofo Jean-Jacques Rousseau e trazida para o mundo contemporâneo pela obra de cientistas políticos como Robert Dahl, talvez o mais influente teórico da democracia. Dahl baseia sua definição de democracia na ideia de igualdade política entre os cidadãos: se todos vamos viver sob regras impostas pelo mesmo governo, nada mais justo de que tenhamos um igual direito de participação na formulação dessas regras1,2. Como participação direta é inviável em países maiores do que pequenas cidades e com cidadãos que não têm tempo para se ocupar somente de política devido às suas vidas profissionais e pessoais, isso se dá principalmente através da eleição de representantes baseada no princípio de “uma pessoa, um voto”, com cada voto tendo peso igual. Para que isso seja possível, Dahl estabelece algumas exigências mínimas, em particular: eleições livres e justas, sufrágio universal, decisões de governo feitas por quem é de fato eleito, direito à candidatura a cargos eletivos para todos os cidadãos e liberdades de expressão, informação e associação.

A noção de democracia como participação nos é particularmente atraente por remeter a ideia de legitimidade por consentimento. Algo legítimo é algo percebido como correto. Assim, autoridades, governos e regras são considerados legítimos quando são percebidos pela população como corretos para a sua sociedade3,4. De onde, no entanto, vem essa percepção?

No início do século XX, o sociólogo alemão Max Weber apontou para três fontes de legitimidade do poder político: tradições, carisma de líderes e uma base legal-racional (ou seja, legislação). Estas três fontes estariam sempre presentes em maior ou menor grau, mas sistemas democráticos, em particular, teriam uma predominância da terceira, realizada especialmente na ideia de império da lei (rule of law). Mais recentemente—mas ainda no contexto da legitimação do poder—o cientista político Robert Beetham julgou como insuficiente essa visão tradicional, de que algo é legítimo somente porque é considerado como tal5. Ele, então, se debruçou sobre o que exatamente fundamenta a crença na legitimidade de uma relação de poder, chegando à conclusão de que ela se dá quando três condições estão postas: 1) ela está de acordo com as regras formais e informais estabelecidas pela sociedade; 2) essas regras podem ser justificadas em termos das crenças compartilhadas pelas autoridades e por aqueles à elas subordinados; e 3) os subordinados demonstram de forma explícita (através do voto, juramentos, participação em cerimonias etc.) o seu consentimento com o arranjo de poder em questão.

Como bem colocado por Beetham, legitimidade política é fundamental em qualquer sociedade, seja ela democrática ou autoritária, pois diminui o custo da manutenção da ordem (ou seja, menos coerção é necessária) e facilita a cooperação entre as pessoas ao criar expectativas confiáveis sobre o comportamento mútuo5. Afinal, ao aceitar instituições como legítimas, a população se mostra mais disposta a agir de acordo com as regras e a obedecer às autoridades. A legitimidade também limita o que as próprias autoridades podem fazer: quando agem de forma a extrapolar aquilo que é visto como legítimo pela sociedade, elas tendem a corroer sua própria legitimidade, aumentando, portanto, o custo da manutenção de seu poder por ter que recorrer mais à coerção para assegurar a obediência dos subordinados, o que, além de demandar mais recursos, é mais instável, já que o sistema todo pode quebrar se força for usada em quantidade insuficiente ou se a população simplesmente passar a não acreditar mais que as autoridades estão dispostas a fazer uso da violência (um exemplo disso é a queda dos regimes comunistas da Europa oriental depois que ficou claro que a União Soviética de Gorbachev não iria interferir).

Uma das grandes vantagens dos sistemas democráticos legítimos é que eles permitem a coexistência de indivíduos com diferentes visões de mundo ao fazerem a transposição de disputas do embate físico violento para o jogo eleitoral baseado em regras consensuais, com os derrotados tendo a garantia que depois de um certo período terão nova chance de disputar o poder. Essa ideia, inclusive, motivou importantes formas de definir democracia. Para o filósofo austríaco Karl Popper, a democracia seria o sistema que permite que cidadãos troquem de governo sem que sangue seja derramado6,7. O cientista político Adam Przeworski, por sua vez, definiu democracia como o sistema em que partidos perdem eleições (e deixam o poder pacificamente)8. Com base nessa definição, Przeworski e colegas estabeleceram ainda seus próprios critérios mínimos para chamar um país de democrático, especificamente: a escolha do chefe do poder executivo e da legislatura por eleições, a participação nestas de mais de um partido político e, notavelmente, a exigência de que ao menos uma alternância de poder tenha ocorrido sob as mesmas regras eleitorais9.

Como se pode ver, a base de uma democracia (ou qualquer outro sistema) legítima é um comprometimento de todos os atores com um mínimo denominador comum institucional e com a coexistência pacífica—ou seja, todos devem abdicar totalmente de métodos violentos e fora das regras consensuais, gerando, assim, o que o cientista político Robert Dahl chamaria de um sistema de segurança mútua, no qual um padrão mínimo de confiança entre os atores faz com que um não veja o outro como uma ameaça existencial e aceite pacificamente sua existência e participação no jogo político1. Essa necessidade de legitimidade dos componentes da democracia é corroborada empiricamente por estudos conduzidos por cientistas políticos como Pippa Norris e Christopher Claassen10,11. Quando essa legitimidade é atingida e o regime democrático é tido por todos como a única alternativa possível para resolução de conflitos, a democracia pode ser considerada consolidada12, de forma que eventuais crises e problemas de governança tendam a ser atribuídos ao governo de turno e não ao regime democrático em si, que permanece em pé e legítimo aos olhos da população—ou seja, a democracia continua sendo the only game in town, como colocariam os cientistas políticos Juan Linz e Alfred Stepan.

Esse caráter de mediação de conflitos da democracia confere a ela uma justificativa para além daquela de igualdade política entre os cidadãos que é expressa no pensamento da democracia enquanto participação. De fato, a democracia pressupõe que as sociedades são plurais e que isso naturalmente implica certa dose de conflito. Não só isso, como esse conflito é necessáriopara seu bom funcionamento, já que estimula que diferentes ideias, programas e visões de mundo sejam apresentados à população e compitam pelo seu voto. Essa forma de pensar democracia como competição tem no economista austríaco Joseph Schumpeter um grande expoente. Ele define democracia como o método no qual “indivíduos adquirem o direito de decidir através de uma disputa competitiva pelo voto das pessoas” (tradução livre) 13. Seu foco, portanto, é na liderança—nas elites que almejam o poder—e não na participação popular. É democracia como governo pelos políticos, não pelo povo.

Para Schumpeter, ainda que participação permaneça um elemento essencial da democracia, colocar ênfase nesse aspecto é cometer o erro de aderir a uma visão romântica, idealizada e, portanto, irreal do regime democrático. Ele considera ficções tanto a ideia rousseaniana de que existe um bem comum que possa ser descoberto através da deliberação racional quanto a noção de que as pessoas sabem o que é melhor para si. Ele argumenta, ainda, que eleições tendem a resultar na vitória do político que é o melhor candidato, mas não necessariamente o melhor governante, pois estas são coisas que exigem habilidades distintas que nem sempre se encontram no mesmo indivíduo. Para que uma democracia seja funcional, assim, ela deve limitar a participação popular somente ao voto nas eleições e restringir o poder de decisão dos políticos somente a determinadas áreas, com aquilo que eles não dominam ficando a cargo de funcionários públicos especializados, apartidários e fora do jogo político.

Tendo testemunhado em sua vida a transformação das democracias europeias nos totalitarismos fascista e nazista, Schumpeter possui uma visão de democracia pessimista e pragmática, sendo menos sobre alguma ideia abstrata de justiça e igualdade e mais uma forma de disciplinar elites através da disputa periódica pelo voto popular, evitando que algum grupo tome conta do poder para servir somente aos seus próprios interesses em detrimento dos da maioria. Igualmente, seu menosprezo à participação da população também parece pouco realista—afinal, é difícil imaginar que indivíduos e grupos mais engajados aceitarão esperar pacientemente entre eleições ao invés de tentar influenciar tomadores de decisões no decorrer de um governo, conforme as situações surgem, através de atuação partidária e dos diversos grupos de interesse e associações da sociedade civil.

O ceticismo de Schumpeter quanto às intenções e habilidades dos políticos e à sabedoria e racionalidade popular, no entanto, não só corroboram a intuição de predecessores importantes, como Platão e James Madison, como se mostraram justificados. Escrevendo poucos anos após ele, o economista Kenneth Arrow, por exemplo, demonstrou em seu teorema da impossibilidade que, em algumas circunstâncias, um grupo de eleitores pode acabar votando contrário ao desejo da maioria ainda que cada eleitor individualmente vote de forma racional—ou seja, a racionalidade individual não implica a racionalidade coletiva14. Mais recentemente, pesquisadores contemporâneos também mostraram empiricamente como o voto é influenciado pelo contexto social do eleitor, pelas informações às quais ele tem acesso e pela forma como essas informações são filtradas pela sua percepção e cognição, a ponto de identidades tribais, afinidade a líderes carismáticos, ressentimento e até fatores aleatórios totalmente fora do controle do governo poderem ter mais peso na decisão de voto do que ponderações racionais sobre programas de governo e ideologia15–17.

A desconfiança sobre o comportamento de autoridades e do eleitorado nos leva àquela que talvez seja a forma mais completa e complexa de pensar a democracia: a de democracia como equilíbrio, que sustenta muito do que entendemos hoje por democracia liberal. A principal justificativa para essa abordagem é a combinação da legitimidade por consentimento conferida pela participação popular com as ideias liberais de proteger direitos e liberdades individuais e limitar o poder do estado. Ela surgiu no final século XVIII, inspirada pelas ideias de filósofos iluministas como John Locke, o já mencionado Rousseau e o barão de Montesquieu e por uma noção muito prática de justiça de que quem paga impostos deve ter direito à representação política. Na época, essa linha de pensamento teve sua expressão maior nos Artigos Federalistas, uma coleção de ensaios escritos pelos pais fundadores dos Estados Unidos para promover a ratificação por voto popular da constituição americana, que foi revolucionária tanto pelo seu caráter democrático, quanto liberal18. A ideia de democracia como equilíbrio foi posta por James Madison no artigo 51 como fazer com que “ambição se contraponha à ambição” (tradução livre) e consiste no estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos que impede abusos ao distribuir o poder entre diversas instituições que se fiscalizem mutuamente. Em termos práticos, isso se traduz na divisão de poderes, na noção do império da lei e na adoção de uma constituição que define direitos fundamentais dos cidadãos e o desenho institucional de um país, estabelecendo princípios e regras sobre como ele deve ser governado.

Ainda que princípios liberais apareçam implícitos nas ideias de democracia como participação e democracia como competição, a ideia de democracia como equilíbrio é que torna mais explícita a tensão entre a democracia em sua forma mais pura, baseada na regra da maioria, e os princípios liberais de proteção dos direitos e liberdades individuais e minorias, expressos no império da lei. Em uma democracia liberal, nada é absoluto—nem mesmo o desejo da maioria. Apesar da ideia de participação por consentimento ser o que dá legitimidade ao sistema como um todo e da eleição de representantes ser um elemento fundamental disso, a legitimidade é igualmente oriunda da lei. Isso significa que mesmo que autoridades eleitas (ou seja, presidentes, deputados, senadores etc.) possuam mandatos obtidos e legitimados por voto popular, elas não podem fazer tudo o que querem, ainda que estejam obedecendo a vontade da maioria da população. Essas autoridades têm atribuições constitucionalmente definidas e atuação limitada ao que a lei permite, além de serem controladas por outras instituições que incluem até atores não-eleitos, como polícia, órgãos de fiscalização, cortes de justiça e bancos centrais independentes. A ideia de democracia como equilíbrio, portanto, coloca em primeiro plano a importância de montar um arranjo institucional adequado, que justamente equilibre a legitimidade conferida pelo voto popular, a liberdade de atuação de quem é eleito, os diversos freios e limitações a essa atuação e o que é atribuído a atores não-eleitos de forma a melhor garantir a existência do sistema, sua governabilidade e sua legitimidade perante a população.

Entender e assimilar a contradição inerente à democracia liberal não é trivial e não é algo que ocorre naturalmente, somente pela vivência democrática. Pelo contrário: a ideia de alguém que possa fazer o que quiser amparado em um mandato popular obtido por eleições é muito mais intuitiva, especialmente considerando o voto como base da legitimidade. Essa dissonância de entendimento pode ser um motivo de frustração para o eleitor, ao ver uma distância entre aquilo pelo qual ele vota e as políticas que obtém em retorno, com promessas de campanha que não se materializam por ação do sistema de freios e contrapesos. Isso pode levar a apatia e, em combinação com outros fatores, até a uma revolta contra o sistema como um todo que motive o voto em demagogos e autocratas em potencial que visam minar a democracia por dentro19–22. De fato, a degradação democrática que está a ocorrer em muitos países costuma se dar gradualmente, dentro das regras do jogo (ao invés da ruptura súbita dos tradicionais golpes militares), tendo muitas vezes como protagonistas políticos eleitos pela população—ou seja, ela é fruto de uma escolha democrática e tem, portanto, apoio de parcela expressiva do povo, mesmo que nem sempre de uma maioria, sendo, então, uma crise de legitimidade da democracia liberal, que deixa de ser percebida como o regime correto para a sociedade.

Democracias que passam por esse processo de degradação muito seguido mantêm elementos democráticos formais ao mesmo tempo que perdem seu caráter liberal. Ou seja, ainda que o poder esteja concentrado nas mãos de um ator, que a alternância de poder não seja mais viável na prática e que direitos e liberdades individuais e de minorias estejam cerceados ou sob ameaça, uma fachada democrática é mantida através da realização de eleições periódicas (mas não necessariamente livres e justas), uma certa tolerância a partidos de oposição (desde que não tenham perspectivas de poder), algum nível de império da lei (que muda ou é interpretada conforme conveniência política), liberdade de imprensa (mas todos os principais veículos pertencem ao governo ou a pessoas ligadas a ele) e outros procedimentos do tipo que possam conferir uma aura de legitimidade legal e popular ao regime.

Países que possuem um formalismo democrático, mas não mantém mais a essência liberal tornam-se o que o cientista político e jornalista Fareed Zakaria chamou de democracias iliberais23,24, sendo a Hungria talvez o caso contemporâneo mais emblemático. Um conceito similar é o que o cientista político Larry Diamond denominou regimes híbridos por possuírem diferentes combinações de elementos autocráticos e democráticos25, sendo as variantes mais comuns o autoritarismo “competitivo” ou “eleitoral”, no qual instituições formais democráticas existem e são consideradas a forma de se chegar ao poder, mas isso é impossibilitado por violação das regras pelo governo incumbente26,27 (Rússia é um claro exemplo atual). Uma variante de democracia iliberal que é particularmente relevante para o Brasil e para a América Latina como um todo e tem em sua base uma má compreensão do que é a democracia é a ideia de democracia delegativa introduzida pelo cientista político argentino Guillermo O’Donnell. Ela se baseia na premissa de que, uma vez eleito, o governante seria a personificação da nação, que delegaria a ele seu poder de decisão, e, com isso, poderia agir basicamente como um ditador, fazendo o que quiser a despeito de limitações impostas pela lei ou demais instituições, que seriam vistas como menos legítimas e empecilhos a ele (e, portanto, a vontade popular)28.

Uma defesa natural que democracias liberais têm contra o processo de erosão democrática está diretamente embutida na noção de democracia como equilíbrio. O sistema de freios e contrapesos tem como atribuição não só proteger cidadãos contra abusos de poder, como proteger também o sistema em si contra aqueles que tentam degradá-lo por dentro. Em outras palavras, como o poder é distribuído, uma instituição controla e limita a outra e evita a subversão do sistema por algum pretendente a autocrata. Para que isso funcione, naturalmente, é necessário um bom desenho institucional, que evite, por exemplo, situações em que quem fiscaliza dependa de alguma forma do fiscalizado ou tenha incentivos para não cumprir seu papel. Um bom desenho, contudo, não é o suficiente.

Para o bom funcionamento e garantia de continuidade de uma democracia, além de um bom desenho institucional, é preciso um comprometimento firme de quem ocupa as instituições com o cumprimento de seu papel. Incentivos advindos de um bom desenho institucional ajudam, mas não são suficientes. É necessário que os ocupantes das instituições realmente as compreendam, as valorizem pelo que são e tenham internalizado o papel delas no sistema e o seu próprio papel ao ocupá-las, de forma a usá-las para seus devidos fins e não como ferramentas para pura conquista de poder e realização de projetos pessoais ou partidários ou para obtenção de vantagens de qualquer tipo por via de corrupção, jogo-duro constitucional ou outras práticas deletérias29,30. Não só isso, como é necessário que a sociedade em si compreenda e valorize o papel das instituições para que ela produza e eleja quem tem comprometimento com elas e saiba cobrar isso de quem as ocupa, evitando seu mau uso por atores políticos mal-intencionados. A democracia liberal, portanto, exige uma cultura política democrática, que deve estar presente não só na elite política, mas na sociedade como um todo. O que, no entanto, seria isso?

Por si, uma cultura política pode ser definida como aquele conjunto de atitudes, valores, crenças, sentimentos e comportamentos que os integrantes de uma sociedade têm a respeito de seu sistema político (o que remete tanto a Weber e sua descrição das tradições como uma possível fonte de legitimidade, quanto a Beetham e sua identificação do que faz com que uma sociedade aceite determinada relação de poder como legítima3,5). Uma cultura política democrática, deste modo, pode ser entendida como aquela que fomenta os atributos que permitam com que uma democracia liberal aflore e se mantenha—em particular: pluralismo, tolerância, confiança interpessoal e nas instituições e uma população que possua equilíbrio entre participação política, passividade e deferência a autoridades, de forma a permitir governabilidade e produzir cidadãos que sejam politizados o bastante para fiscalizar o governo, mas não a ponto de ter suas vidas dominadas por ideologias e partidos que os prendam por algum fator emocional/identitário e os impeçam de mudar seu voto em resposta ao desempenho de seus representantes4,10,31–35. Uma cultura política democrática, assim, gera um ambiente em que nenhum ator vê o outro como ameaça existencial (o sistema de segurança mútua de Dahl1) e se comprometa integralmente com as regras do jogo democrático. Mas como se produz essa cultura?

Um aspecto que favorece uma cultura política democrática é a prevalência de uma noção inclusiva de identidade nacional, que proporcione um senso de pertencimento comum a todos os cidadãos apesar de suas diferenças e dos demais grupos identitários a que pertençam. Essa identidade comum, cívica, ajuda a criar um colchão de consenso mínimo sobre o qual o embate de ideias que caracteriza uma democracia se dá, sendo essa base expressa através de rituais, feriados, símbolos, mitos, personagens políticos e outros marcadores culturais (o que o sociólogo Robert Bellah chamou de “religião civil”, no contexto da democracia norte-americana36). Isso ainda é apoiado por uma convivência comunitária que estimule a miscigenação de pessoas com diferentes afiliações identitárias de modo a formar pontes e evitar a polarização excessiva e a formação de grupos homogêneos impermeáveis, fatores que tendem a produzir intolerância e extremismo4,15,37.

Outro fator importante é a presença de um governo minimamente capaz de entregar condições socioeconômicas e de segurança que assegurem uma legitimidade mínima do sistema como um todo e garantam comida na mesa da população. Isso permite com que aflorem valores mais baseados em autoexpressão do que em sobrevivência, tais como o desejo de participação política e reivindicação de liberdades e direitos 38–41. É ainda fundamental um empenho ativo da sociedade civil através de instituições como família, templos, escolas, universidades, associações e demais ambientes de convivência comunitária para domar o instinto tribal do ser humano por via de educação cívica e transmissão de valores democráticos e liberais15,42–45. A própria vivência democrática, por sua vez, também desempenha um papel, pois conforme a pessoa participa da vida em uma democracia, ela vê os efeitos concretos das escolhas dos cidadãos na forma como o governo é conduzido, ganhando uma compreensão não só do seu próprio papel, mas da diferença entre o governo da vez e o regime democrático em si46.

Como pode-se perceber, tanto a democracia liberal quanto a cultura política que a sustenta são bastante complexas. Há várias formas de pensar a democracia, levando em conta diferentes critérios. Para decidir se um país pode ser considerado democrático, alguns autores preferem considerar somente a existência de determinados atributos e procedimentos, enquanto outros também levam em conta a substância da democracia, ou seja, aquilo que eles consideram que ela deve produzir (algo que por ser inerentemente subjetivo também varia de autor para autor). Democracias existem ainda em diversas formas e tamanhos, com países adotando os mais diversos arranjos institucionais. Há presidencialismos, semipresidencialismos, parlamentarismos e monarquias constitucionais; federações e estados unitários; legislaturas uni e bicamerais; bipartidarismos e multipartidarismos; sistemas eleitorais dos mais diversos tipos—enfim, uma grande variedade de peças institucionais que podem ser combinadas das mais diferentes formas, adaptadas à realidade e cultura de cada país. Uma cultura política democrática, por sua vez, não só envolve inúmeros fatores, como não é algo que pode ser criado do dia para a noite e instalado como um software sobre uma população. Ela ainda tem uma relação complexa e bidirecional com o arranjo institucional: ao mesmo tempo que lhe embasa e lhe dá suporte, ela é moldada por ele através do comportamento dos diversos atores.

É importante ressaltar, assim, que democracia não é exatamente algo binário. Não há um ponto objetivo e universalmente reconhecido em que se pode dizer que um país deixou de ser uma autocracia e passou a ser uma democracia. Cientistas políticos possuem diferentes opiniões e há vários índices de democracia, como Freedom HouseV-DemEconomist, entre outros, que produzem avaliações quantitativas (e, portanto, mais objetivas), mas levam em conta diferentes critérios e definições que podem ser úteis para algumas aplicações, mas não para outras. É indiscutível, no entanto, que não existem democracias perfeitas—o que há são países que se aproximam, em maior ou menor grau, de um ideal. Dahl, inclusive, explicitamente diferencia a democracia ideal daquela que de fato existe, que é chamada por ele de poliarquia 1. Situações e culturas mudam e as poliarquias vão se adaptando e se aprimorando, com sorte se aproximando mais do ideal. Ainda assim, nenhuma atinge a perfeição. Democracia liberal, afinal, não é uma panaceia.

Por mais que seja verdade que exista uma correlação positiva entre democracia e desenvolvimento, países com regimes democráticos não estão livres de problemas como desigualdade, pobreza, injustiça social, corrupção, crises de representatividade, insegurança, conflito étnico e religioso, entre tantos outros. Não só isso, como não há garantia de que governos eleitos democraticamente serão de fato bons. Podem, inclusive, parecer de fato ruins e lentos na tomada de decisões em comparação com autocracias bem geridas devido à sua inerente necessidade da negociação e deliberação política. Regimes democrático-liberais como estamos acostumados, baseados em regra da maioria e na ideia de um voto por pessoa, tampouco funcionam para todas as situações. Como vimos, democracias precisam de um comprometimento de todos os atores com as regras do jogo, o que decorre de todos saberem que mesmo que percam agora, possuam uma chance de ganhar no futuro. Mas e se essa chance na prática não existe, apesar de todo arcabouço formal? Isso ocorre, por exemplo, em países com clivagens étnicas onde um grupo é consideravelmente maior que o outro a ponto de ter sempre uma maioria, de forma que o minoritário nunca tenha perspectiva de poder, tenha suas preferências consistentemente rejeitadas e se sinta—ou até seja de fato—oprimido ou ameaçado. Como se trata de identidade (algo por definição indivisível e inegociável, ao contrário de, por exemplo, política econômica), não há acordos ou compromissos possíveis, o que pode resultar na quebra do comprometimento com o sistema pelo grupo minoritário e consequente conflito violento. Para evitar esse cenário, pode-se adotar arranjos institucionais alternativos baseados na partilha de poder entre os grupos, como a democracia consociativista descrita pelo cientista político Arend Lijphart47. Ainda assim, essas abordagens nem sempre funcionam: para cada Holanda e Suíça, há também casos de instabilidade como Líbano e Iraque.

Democracia pode ser entendida de diferentes maneiras, implementada de muitas formas e ainda apresentar inúmeros problemas. Apesar disso, serve para mediar conflitos pacificamente e disciplinar elites pela necessidade de competição pelo voto popular. Além disso, sua raiz participativa é uma importante fonte de legitimidade, o que a torna atraente até mesmo de forma esvaziada, como fachada para autocracias e regimes híbridos. No entanto, o que faz dela, como teria dito Churchill, a pior forma de governo com exceção de todas as outras, é algo que incorpora essas ideias e vai além.

Como colocado pelo cientista político Francis Fukuyama, a democracia liberal capitalista é o sistema que melhor satisfaz o desejo inato que as pessoas têm de ter sua dignidade reconhecida pelos seus pares, seja enquanto indivíduos ou membros de grupos43,48,49. Através dos direitos comuns de cidadania, a democracia liberal contempla pessoas que têm necessidade de serem reconhecidas enquanto iguais, com cada indivíduo sendo reconhecido como um fim em si mesmo enquanto ser autônomo e racional (para parafrasear Kant). Ao mesmo tempo, ela contempla a necessidade que algumas pessoas têm de serem reconhecidas enquanto superiores e o faz forma produtiva para a sociedade como um todo, ao conferir diferenciação social via poder, status e dinheiro para aqueles que geram valor, seja através do desenvolvimento de habilidades especiais, inovação tecnológica, produção cultural ou intelectual, capacidade de negociação e gestão e até por atuação política. Em seu famoso argumento, Fukuyama afirma que essas características fariam da democracia liberal o “fim da História” no sentido Hegeliano dela ser o mais próximo de um sistema político ideal que uma sociedade humana conseguiria produzir. Apesar de muito criticada e pouco compreendida (provavelmente pouco lido também), a tese de Fukuyama nunca foi refutada. Ele é o primeiro a reconhecer, contudo, que sem os devidos cuidados um país pode facilmente retroceder e “voltar à História”. Democracia é algo que precisa ser ativamente afirmado e deve-se igualmente procurar manter uma cultura compatível com ela, o que só ocorre com comprometimento e engajamento da sociedade como um todo, tanto da elite quanto do povo em geral.

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(Detalhe da Alegoria do Bom Governo, de Ambrogio Lorenzetti)

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André Spritzer

André Spritzer é Doutor em Computação pela UFRGS, com estágio de pós-doutorado no INRIA (Aviz/Paris) e na UFRGS. Pesquisou Ciência Política e Relações Internacionais na UoL/LSE.