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sábado, 1 de dezembro de 2018

Biografia de Rio Branco por Villafane - Resenha de Marcos Guterman (OESP)

Biografia avalia influência do Barão de Rio Branco na diplomacia atual

O Barão inventou uma tradição diplomática brasileira que, de tão sólida, parece resistir a qualquer grupo que esteja no poder

Marcos Guterman, O Estado de S.Paulo 
01 Dezembro 2018 | 16h00

Houve considerável burburinho em torno da nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de ministro das Relações Exteriores do futuro governo de Jair Bolsonaro. As controvertidas opiniões externadas no passado recente por esse jovem diplomata a propósito de grandes questões globais — e do lugar do Brasil no mundo — ganharam enorme destaque, não somente porque serviram para revelar algo do pensamento do futuro chefe da diplomacia nacional, mas principalmente porque, na avaliação de vários especialistas, tal pensamento, se convertido em ação, ameaçaria romper a preciosa tradição diplomática brasileira.  
Para começar, Ernesto Araújo manifestou admiração incondicional pelo atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, para o chanceler de Bolsonaro, é nada menos que o salvador do Ocidente – espécie de instrumento de Deus para impedir a completa corrupção dos valores nacionais e cristãos pelo que ele chama de “globalismo”. Diferentemente da globalização, o “globalismo” seria a expressão de um império burocrático supranacional, de inspiração marxista, capaz de ditar normas em outros países, muitas vezes à revelia dos seus povos. Esse império se manifestaria na forma de organizações multilaterais, como a Organização das Nações Unidas ou a Organização Mundial do Comércio, e de entidades políticas, como a União Europeia, mas também na forma de imposição de valores globais supostamente contrários aos costumes mais caros de cada nação. Portanto, não seriam apenas os Estados-nação que estariam sob ameaça; é a própria ideia de família, na acepção cristã e ocidental, que correria risco mortal. 

Ilustração do Barão do Rio Branco na capa da revista 'O Malho' de agosto de 1908 Foto: O Malho

Não é preciso detalhar mais essa visão de mundo para supor que, se transformada em guia da política externa brasileira, faria do Itamaraty algo radicalmente diferente do que é hoje e do que foi quase sempre desde a instauração da República. Por esse motivo, mais do que nunca, é preciso saber que tradição diplomática brasileira é essa para se ter uma noção do que o País está prestes a perder, caso a ideologia antiglobalista seja convertida em orientação oficial para os embaixadores do Brasil ao redor do mundo.
Um excelente começo é a leitura do livro Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, biografia daquele que é considerado o fundador da diplomacia nacional tal como a conhecemos. O autor do trabalho é o diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos, que já produziu outras obras importantes baseadas na vida e na trajetória desse imenso personagem da história do Brasil. Seu novo livro, contudo, é bem mais ambicioso, pois está claro que o biografado não é apenas o Barão do Rio Branco, mas a própria doutrina que rege as relações do Brasil com o resto do mundo. 
Assim, Villafañe não deixa de contar em detalhes as agruras financeiras do perdulário Juca Paranhos, suas aventuras boêmias no cabaré Alcazar, no Rio de Janeiro, e seu rumoroso relacionamento com uma dançarina belga, com quem teve cinco filhos e cujo matrimônio só oficializou depois de 17 anos de relacionamento. Essas saborosas informações conferem humanidade à imagem do calvo e bigodudo senhor que estampou a cédula de mil cruzeiros, que circulou de 1978 a 1989 e, apropriadamente, era conhecida como “barão”. Mas a biografia de Rio Branco vai muito além das questões pessoais ou de sua fama; lá está a gênese da essência do pensamento diplomático brasileiro. 
Essa essência, conforme demonstra Villafañe, está na suposta indisposição atávica do Brasil para o confronto. A genialidade de Rio Branco, a julgar pelo que vai nas páginas dessa biografia, foi a de transformar em virtude a evidente fragilidade brasileira – sempre às voltas com magros orçamentos para o setor de Defesa e com o crônico despreparo de suas Forças Armadas para a eventualidade de uma guerra. Sem ter condições de se impor pela força, a despeito de seu gigantismo, o Brasil de Rio Branco, entre o final do século 19 e o início do século 20, apresentou-se ao mundo como uma nação inclinada à “bonomia”, isto é, com espírito naturalmente voltado para o diálogo. 
Ao protagonizar algumas das mais importantes negociações de fronteiras com vizinhos e com as potências imperialistas da época, Rio Branco não somente ajudou a desenhar o Brasil – o que por si só já lhe garantiria um lugar de destaque no panteão nacional –, mas principalmente forjou no imaginário brasileiro a ideia de que o País repudia o uso da força, resolve litígios na base dos acordos, não tem alinhamento automático com nenhum outro país e advoga firmemente pela não intervenção. Foi assim que os países derrotados pela habilidade de Rio Branco nos contenciosos em que ele se envolveu não se tornaram inimigos; ao contrário, são até hoje firmes parceiros diplomáticos e comerciais, sendo a Argentina o caso mais notável. 
Tudo isso foi possível porque Rio Branco de fato acreditava que o Brasil podia fazer valer seus direitos territoriais pela via da negociação, bastando para isso construir argumentos sólidos – algo que demandava trabalho árduo, ampla investigação em documentos históricos e profundos conhecimentos geográficos. Rio Branco, ainda antes de se tornar chanceler, havia se revelado infatigável estudioso das questões fronteiriças nas quais se envolveu. Era, no dizer do autor, o “exército de um homem só” da diplomacia brasileira nesses contenciosos. E o resultado de tamanho esforço foi recompensado pelo reconhecimento de seus contemporâneos por seu trabalho como “reintegrador do Brasil”, nas palavras de Rui Barbosa. 
Rio Branco, contudo, hesitou em aceitar o cargo de chanceler quando lhe foi oferecido em 1902 pelo então presidente Rodrigues Alves. Ele temia envolver-se na chamada política dos governadores, que deu poder às oligarquias estaduais – algo que Rio Branco, como bom monarquista, abominava. Tornou-se então ministro das Relações Exteriores com o compromisso de servir não aos partidos políticos resultantes daquele arranjo de poder, e sim ao Brasil – ou, ao menos, às suas convicções pessoais sobre o chamado “interesse nacional”, algo que demandaria uma formulação acima das paixões partidárias. Villafañe demonstra que é justamente esse discurso, a que se pode dar o nome genérico de “evangelho do Barão”, que baliza a ideia consagrada hoje no Itamaraty segundo a qual a política externa não pode se dobrar à política partidária e que a diplomacia é atividade para diplomatas profissionais, e não para políticos. 
A importância de Rio Branco na definição das fronteiras nacionais e principalmente no estabelecimento de uma doutrina para a diplomacia brasileira, ajudando o País a encontrar seu “lugar no mundo”, fez do Barão uma figura muito popular em sua época, e além dela.  
Mas Rio Branco foi um herói improvável. Monarquista empedernido, saudoso dos tempos da ordem emanada da figura do imperador, aceitou trabalhar pelo fortalecimento da nascente República, e o fez no campo em que se revelaria um gigante, isto é, na busca pela paz duradoura com os vizinhos, o que facilitou o desenvolvimento econômico do regime que ele, a princípio, combatia. Também abdicou de seu europeísmo aristocrático em favor de uma aproximação com os Estados Unidos, que ele via como contraponto ao perigoso imperialismo europeu e como natural e necessária “polícia” para enquadrar os países instáveis da América Latina.  
No fundo, Rio Branco nunca abandonou uma visão oligárquica do mundo, segundo a qual certos países, por serem civilizados, tinham a prerrogativa de “civilizar” os que teimavam em não compartilhar os valores ocidentais. Portanto, bastava ao Brasil andar na linha – isto é, respeitar e disseminar esses valores – para nada ter a temer em relação aos Estados Unidos. Mas esse pensamento de Rio Branco é fruto tão somente de seu tempo – em que o imperialismo era a norma. Seu legado extrapola em muito essas circunstâncias. Conforme demonstra Villafañe com brilhantismo, o Barão inventou uma tradição diplomática brasileira que, de tão sólida, parece existir desde sempre e resistir a qualquer grupo que esteja no poder – mesmo aos governos do PT, que com tenacidade pretenderam reduzir a política externa aos fundamentos terceiro-mundistas do lulopetismo. 
Com Jair Bolsonaro no poder, essa notável tradição será mais uma vez duramente testada.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Nunca Antes na Diplomacia, de P. R. Almeida - resenha de Marcos Guterman (OESP)

Quando o livro foi lançado, eu me encontrava fora do país, ou seja, o livro não foi lançado.
Ainda assim, ele mereceu uma resenha simpática por parte do jornalista do Estadão Marcos Guterman, que devo ter visto pouco depois, mas já nem me lembrava mais.
Vou transcrever aqui.
Paulo Roberto de Almeida

O show de Lula
Resenha Marcos Guterman
O Estado de S. Paulo, 14/08/2014
Marcos Guterman é jornalista

A extensão dos danos causados ao Brasil pela diplomacia partidária do lulopetismo ainda é desconhecida. Por muito tempo o mundo se deixou encantar pelo hiperativismo de Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto seu governo fazia opções que afrontavam a tradição do Itamaraty e o próprio interesse nacional. Mesmo com Dilma Rousseff, isto é, mesmo sem a megalomania de Lula, resta evidente que a agenda petista continua a prevalecer e a única estratégia do governo parece ser a de confrontar o "Norte", ou seja, os países ricos, sempre que a oportunidade aparece. Os resultados dessa política certamente se farão sentir por muitos anos, porque inúmeras oportunidades comerciais e de desenvolvimento vêm sendo perdidas em favor da aproximação com regimes autoritários que nada têm a oferecer ao Brasil senão afinidade ideológica com os governantes de turno.
Embora esses equívocos sejam claros como o dia, escassas são as vozes que ousam apontá-los, pois são logo classificadas como "lacaias do império" por uma formidável máquina de propaganda petista, em especial nos meios universitários, justamente onde deveria prevalecer o pensamento crítico e independente. Um dos poucos que decidiram enfrentar esse consenso artificial é o diplomata Paulo Roberto de Almeida. Em seu novo livro, Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais, Almeida propõe-se a fazer um raro balanço da política externa lulopetista, sempre tendo em vista seus equívocos basilares. Ainda que não seja possível dimensionar a amplitude total dos problemas levantados, pois não há distanciamento histórico suficiente, o fato é que o livro de Almeida é uma leitura genuinamente incômoda, pois revela como a política externa do Brasil está, neste momento, entregue a ideólogos de um partido que diz defender a soberania nacional enquanto a sacrifica no altar do altermundismo.
Almeida está na carreira diplomática desde 1977 e ocupou diversos cargos no Itamaraty. Com uma trajetória dessas, seria natural que mantivesse a discrição que marca o mundo da diplomacia. Mas Almeida é, no dizer do embaixador Rubens Barbosa, um "provocador" - a começar pela escolha do título do livro.
"Nunca antes" é a expressão de um tempo em que tudo o que diz respeito ao lulopetismo tem de ser considerado em termos superlativos, pois se trata, na visão de seus protagonistas, de uma "revolução". É a introdução obrigatória dos discursos não só de Lula, mas de todos aqueles empenhados em provar, a todo momento, que o ano de 2003, quando o PT chegou ao poder, marcou o início de fato da História do Brasil. Almeida dedica-se a desconstruir esse discurso, para provar que por trás da promessa de independência e altivez mal se esconde a submissão a interesses obscuros, articulados bem longe das fronteiras nacionais - o livro lembra diversas vezes a vinculação de petistas de alto coturno com Cuba e a ditadura dos irmãos Castro.
Um dos grandes problemas da diplomacia lulopetista, como mostra o livro, é o improviso, resultado direto da sujeição total da política externa aos desejos e impulsos de um chefe de Estado que imagina estar numa missão redentora. Com Lula, deixou-se de lado, por ociosa, qualquer forma de planejamento e de respeito aos limites da ação diplomática, razão pela qual muitas vezes se despendeu grande esforço para alcançar objetivos tão controversos quanto inúteis, apenas para satisfazer a sede presidencial pelos holofotes. Ainda que bem mais discreta que seu antecessor, Dilma manteve o desapreço pela diplomacia profissional.
O lulopetismo transformou a diplomacia em panfleto político. Com isso o País passou a classificar como "estratégica" qualquer parceria que cumprisse a função de reafirmar os propósitos anti-hegemônicos da cartilha do PT, sem considerar os interesses de longo prazo nem os recursos que devem ser gastos para manter essa fantasia.
Ao dar prioridade às relações com os países do "Sul", isto é, aqueles que não integram o mundo desenvolvido, Lula tinha em mente liderar uma revolução geopolítica - e, de lambujem, ganhar um Nobel da Paz. Pretendia colocar o Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Queria que o País fosse reconhecido como o motor de um novo modelo de desenvolvimento, melhor e mais justo do que o capitalista ocidental. Mas, como mostra o livro de Almeida, faltou combinar com os russos.
As iniciativas petistas foram rechaçadas, em primeiro lugar, pela Argentina e pelo México, entre outros países da América Latina, que não estavam nem um pouco inclinados a aceitar a liderança brasileira. O Mercosul, que deveria servir de plataforma para esse salto diplomático, foi transformado num estorvo para o desenvolvimento brasileiro e todas as outras entidades criadas na América Latina para dar corpo à ideia de integração regional raras vezes se prestaram a outra coisa senão a servir de palanque para as diatribes bolivarianas.
Em nome de seus propósitos delirantes, o lulopetismo adotou a leniência como padrão de relacionamento com os sócios ideológicos: aceitou afrontas da Bolívia à soberania nacional e da Argentina a acordos comerciais, ignorou violações de princípios democráticos, afagou ditadores. Tudo isso para provar que estava conferindo, pela primeira vez, verdadeira "independência" à política externa brasileira.
Após demonstrar que essa "independência" é uma ilusão e apontar os graves problemas que isso causa ao País, Almeida termina seu livro com um interessante exercício: ele especula o que o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, diria a Lula se fosse seu chanceler. Além de recomendar o fim da política "Sul-Sul", por reduzir demais as oportunidades para o Brasil, Rio Branco daria um conselho que, embora óbvio, é fundamental nestes "tempos não convencionais": um verdadeiro estadista serve a seu país, e não a seu partido.

sábado, 3 de janeiro de 2015

Aventuras diplomaticas com o Iran, livro de Luis Felipe Lampreia - resenha de Marcos Guterman

Aposta em Teerã
Luiz Felipe Lampreia
Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2014

MARCOS GUTERMAN
O Estado de S.Paulo, 3/01/2015

Úbris é o termo grego que designa "excesso de confiança", e suas principais características são a imoderação e a arrogância. É a tal conceito que recorre o diplomata Luiz Felipe Lampreia, em seu recém-lançado livro Aposta em Teerã (Editora Objetiva), para qualificar a tentativa da diplomacia brasileira, em 2010, de negociar um acordo nuclear com o Irã.

Não é exagero afirmar que teria sido um feito histórico se naquela oportunidade o Brasil conseguisse arrancar do governo iraniano o compromisso firme de interromper o desenvolvimento de um processo técnico que, a certa altura, garantiria ao Irã a capacidade de fazer armamentos nucleares. No entanto, acreditar que um acordo dessa envergadura pudesse ser costurado por um país com escasso poder diplomático no âmbito das grandes querelas internacionais e sem nenhum envolvimento político relevante com o Oriente Médio demanda um voluntarismo e uma ingenuidade raras vezes vistos em negociações com esse grau de complexidade. Mas o presidente brasileiro na época era Luiz Inácio Lula da Silva, e isso explica tudo.

Lampreia é um narrador privilegiado. Na carreira diplomática desde 1963, foi secretário-geral do Itamaraty entre 1992 e 1993 e ministro das Relações Exteriores entre 1995 e 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Portanto, conhece de perto os limites da diplomacia brasileira e os riscos, para os reais interesses do País, de embarcar em aventuras que possam comprometer a imagem do Brasil.

Pode-se argumentar que, ao fazer críticas à diplomacia de Lula, Lampreia move-se por divergências políticas - afinal, trabalhou com FHC e, segundo a lógica binária atualmente em vigor no Brasil, teria necessariamente de ser antagonista da diplomacia petista. Mas não é isso o que se encontra no ensaio de Lampreia. Ao contrário: o ex-chanceler reconhece que, sob Lula, "nunca em nossa história estivemos em posição tão elevada na escala de prestígio internacional". Nenhum outro país, diz Lampreia, conseguiu em tão pouco tempo "um aumento comparável de estatura".

Talvez tenha sido em razão desse êxito inicial que Lula se deixou seduzir pela ideia de que o Brasil teria, sob seu governo, reunido condições de interferir nos grandes contenciosos internacionais. O líder petista tinha a pretensão de se apresentar ao mundo como o mediador capaz de resolver os impasses que ameaçam a segurança do planeta, pois o que faltava às partes em litígio, em sua visão, era simplesmente a vontade de sentar e conversar. Tal ingenuidade mal escondia a soberba do ex-metalúrgico que se acreditava capaz de triunfar onde os gigantes - especialmente os Estados Unidos - fracassaram.

Dessa forma, como mostra Lampreia, a aventura do Itamaraty em Teerã não pode ser condenada em si mesma, pois havia um sincero desejo, por parte dos diplomatas brasileiros, de encontrar uma solução para aquele perigoso impasse internacional. No entanto, o mesmo não se pode dizer das intenções ególatras de Lula.

Lampreia demonstra, em detalhes que normalmente são conhecidos apenas pelos protagonistas das negociações, de que maneira Lula se deixou iludir pelas circunstâncias. "Nunca antes um presidente brasileiro tinha jogado seu prestígio pessoal em uma operação de tão alto risco e com tão poucas chances de êxito", escreveu o ex-chanceler.

O Irã sempre afirmou que seu programa nuclear é pacífico, mas, fiel ao estilo ambíguo, pouco se esforçou para provar o que dizia, criando um clima crescente de confronto. Por essa razão, a comunidade internacional vem aprovando várias rodadas de sanções com o objetivo de forçar o país a abandonar seus planos - para Lampreia, não resta mais a menor dúvida de que o Irã quer a bomba.

Em 2010, às vésperas da adoção de novas punições, Brasil e Turquia decidiram tentar articular uma nova negociação com o Irã. A confiança brasileira se acentuou quando o presidente americano, Barack Obama, enviou uma carta a Lula na qual disse que Washington via com bons olhos um acordo como o que estava sendo negociado - o Irã deveria aceitar que um terceiro país enriquecesse seu urânio o suficiente apenas para fins médicos. Na avaliação de Lampreia, porém, a mensagem de Obama era um incentivo, mas não uma autorização para negociar em nome dos Estados Unidos.

O erro de interpretação da diplomacia brasileira resultou em um acordo no qual o Irã não aceitou incluir garantias reais para convencer as grandes potências de que não construiria um arsenal nuclear. Resultou também na constrangedora cena de Lula erguendo o braço do então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, "como um campeão de luta", conforme escreveu Lampreia, gerando repercussão negativa nos países que lutavam para enquadrar o Irã.

Pouco depois dessa cena em Teerã, que deveria servir como a imagem do triunfo pessoal de Lula, o Conselho de Segurança da ONU ignorou olimpicamente o acordo costurado por Brasil e Turquia e aprovou uma nova e dura rodada de sanções contra o Irã. O Itamaraty não podia dizer que não tinha sido avisado - o próprio governo da Rússia informara a Lula que a adoção de sanções era muito provável e teria o apoio de Moscou, que até então se alinhava a Teerã.

Para Lampreia, o "coração do problema" é que nenhum acordo como o oferecido pelo Brasil e a Turquia ao Irã seria suficiente para frear o programa nuclear - ao contrário, serviria apenas para que os iranianos ganhassem tempo. Os Estados Unidos, a Rússia e a China sabiam disso, e o Brasil deveria saber também, antes de embarcar nessa aventura embaraçosa, fruto de graves erros de percepção.

Lampreia considera que a principal lição desse caso é que a diplomacia brasileira deve considerar seus limites e buscar protagonismo somente nos setores em que o País é forte, como meio ambiente. Quando quer mostrar "que somos mais capazes do que as grandes potências de resolver importantes impasses internacionais", como escreve o ex-chanceler, a diplomacia lulopetista fracassa - e a úbris é punida com a nêmesis, castigo que recoloca o prepotente em seu devido lugar.

JORNALISTA E HISTORIADOR

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Nunca Antes na Diplomacia... - Resenha do livro PRA, por Marcos Guterman

Um colega me mandou, e ainda estou buscando o original, para agradecer. Em todo caso, segue o teor do artigo, provavelmente no blog do autor.
Paulo Roberto de Almeida
Addendum: Achei: página de opinião do Estadão, desta quinta-feira, 14 de agosto de 2014, sob o título de: "O Show de Lula".

Um verdadeiro estadista serve a seu país, e não a seu partido...
Autor: Marcos Guterman
é Doutor em História Social.
Universidade de São Paulo, USP, Brasil.

O lulopetismo transformou a diplomacia em panfleto político!

Livro, Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais

A extensão dos danos causados ao Brasil pela diplomacia partidária do lulopetismo ainda é desconhecida. Por muito tempo o mundo se deixou encantar pelo hiperativismo de Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto seu governo fazia opções que afrontavam a tradição do Itamaraty e o próprio interesse nacional. Mesmo com Dilma Rousseff, isto é, mesmo sem a megalomania de Lula, resta evidente que a agenda petista continua a prevalecer e a única estratégia do governo parece ser a de confrontar o "Norte", ou seja, os países ricos, sempre que a oportunidade aparece. Os resultados dessa política certamente se farão sentir por muitos anos, porque inúmeras oportunidades comerciais e de desenvolvimento vêm sendo perdidas em favor da aproximação com regimes autoritários que nada têm a oferecer ao Brasil senão afinidade ideológica com os governantes de turno.

Embora esses equívocos sejam claros como o dia, escassas são as vozes que ousam apontá-los, pois são logo classificadas como "lacaias do império" por uma formidável máquina de propaganda petista, em especial nos meios universitários, justamente onde deveria prevalecer o pensamento crítico e independente. Um dos poucos que decidiram enfrentar esse consenso artificial é o diplomata Paulo Roberto de Almeida. Em seu novo livro, Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais, Almeida propõe-se a fazer um raro balanço da política externa lulopetista, sempre tendo em vista seus equívocos basilares. Ainda que não seja possível dimensionar a amplitude total dos problemas levantados, pois não há distanciamento histórico suficiente, o fato é que o livro de Almeida é uma leitura genuinamente incômoda, pois revela como a política externa do Brasil está, neste momento, entregue a ideólogos de um partido que diz defender a soberania nacional enquanto a sacrifica no altar do altermundismo.

Almeida está na carreira diplomática desde 1977 e ocupou diversos cargos no Itamaraty. Com uma trajetória dessas, seria natural que mantivesse a discrição que marca o mundo da diplomacia. Mas Almeida é, no dizer do embaixador Rubens Barbosa, um "provocador" - a começar pela escolha do título do livro.

"Nunca antes" é a expressão de um tempo em que tudo o que diz respeito ao lulopetismo tem de ser considerado em termos superlativos, pois se trata, na visão de seus protagonistas, de uma "revolução". É a introdução obrigatória dos discursos não só de Lula, mas de todos aqueles empenhados em provar, a todo momento, que o ano de 2003, quando o PT chegou ao poder, marcou o início de fato da História do Brasil. Almeida dedica-se a desconstruir esse discurso, para provar que por trás da promessa de independência e altivez mal se esconde a submissão a interesses obscuros, articulados bem longe das fronteiras nacionais - o livro lembra diversas vezes a vinculação de petistas de alto coturno com Cuba e a ditadura dos irmãos Castro.

Um dos grandes problemas da diplomacia lulopetista, como mostra o livro, é o improviso, resultado direto da sujeição total da política externa aos desejos e impulsos de um chefe de Estado que imagina estar numa missão redentora. Com Lula, deixou-se de lado, por ociosa, qualquer forma de planejamento e de respeito aos limites da ação diplomática, razão pela qual muitas vezes se despendeu grande esforço para alcançar objetivos tão controversos quanto inúteis, apenas para satisfazer a sede presidencial pelos holofotes. Ainda que bem mais discreta que seu antecessor, Dilma manteve o desapreço pela diplomacia profissional.

O lulopetismo transformou a diplomacia em panfleto político. Com isso o País passou a classificar como "estratégica" qualquer parceria que cumprisse a função de reafirmar os propósitos anti-hegemônicos da cartilha do PT, sem considerar os interesses de longo prazo nem os recursos que devem ser gastos para manter essa fantasia.

Ao dar prioridade às relações com os países do "Sul", isto é, aqueles que não integram o mundo desenvolvido, Lula tinha em mente liderar uma revolução geopolítica - e, de lambujem, ganhar um Nobel da Paz. Pretendia colocar o Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Queria que o País fosse reconhecido como o motor de um novo modelo de desenvolvimento, melhor e mais justo do que o capitalista ocidental. Mas, como mostra o livro de Almeida, faltou combinar com os russos.

As iniciativas petistas foram rechaçadas, em primeiro lugar, pela Argentina e pelo México, entre outros países da América Latina, que não estavam nem um pouco inclinados a aceitar a liderança brasileira. O Mercosul, que deveria servir de plataforma para esse salto diplomático, foi transformado num estorvo para o desenvolvimento brasileiro e todas as outras entidades criadas na América Latina para dar corpo à ideia de integração regional raras vezes se prestaram a outra coisa senão a servir de palanque para as diatribes bolivarianas.

Em nome de seus propósitos delirantes, o lulopetismo adotou a leniência como padrão de relacionamento com os sócios ideológicos: aceitou afrontas da Bolívia à soberania nacional e da Argentina a acordos comerciais, ignorou violações de princípios democráticos, afagou ditadores. Tudo isso para provar que estava conferindo, pela primeira vez, verdadeira "independência" à política externa brasileira.

Após demonstrar que essa "independência" é uma ilusão e apontar os graves problemas que isso causa ao País, Almeida termina seu livro com um interessante exercício: ele especula o que o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, diria a Lula se fosse seu chanceler. Além de recomendar o fim da política "Sul-Sul", por reduzir demais as oportunidades para o Brasil, Rio Branco daria um conselho que, embora óbvio, é fundamental nestes "tempos não convencionais":
um verdadeiro estadista serve a seu país, e não a seu partido.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Matando judeus na Franca, se preparando, talvez, para fazer o mesmo, na Venezuela

No momento em que crianças são assassinadas na França, talvez unicamente pelo fato de serem judias -- do contrário, qual o perigo que representam crianças, de qualquer religião, ou "raça", para qualquer crença política, qualquer movimento, qualquer causa estratégica? -- lembrei-me de uma recente manchete de um jornal venezuelano, já preparando o terreno dos futuros enfrentamentos contra os "perigosos judeus".
Eis aqui o que temos ao nosso lado, aliás sócio estratégico no Mercosul, aliado dos companheiros...
Paulo Roberto de Almeida

Do blog de Marcos Guterman, Estadão, 16/03/2012


Kikiriki, apesar do nome engraçado, é um dos mais antigos jornais de esquerda da Venezuela – ou seja, não é um mero acidente marrom. Esse semanário chavista publicou a manchete acima, que, numa tradução elegante, pode ser lida como “Capriles Radonski é o candidato deles. Se os judeus chegarem ao poder, estamos ferrados”. Era uma referência ao candidato de oposição à Presidência venezuelana, Henrique Capriles – que se diz católico e cujos avós por parte de mãe eram judeus, mortos no campo de concentração nazista de Treblinka.
Não é a primeira vez que as hostes chavistas apelam ao antissemitismo explícito para atacar o adversário de Hugo Chávez. Em outra oportunidade, um desses intelectuais acusou os “sionistas” de dominarem a mídia, os bancos e os governos ao redor do mundo. No caso do Kikiriki, o jornal nem se deu ao trabalho de disfarçar o ódio aos judeus a título de crítica aos “sionistas”. O máximo de “sutileza” foi ter colocado uma foto com a legenda “Menino palestino após um bombardeio israelense”. Ou seja: era uma advertência aos venezuelanos sobre do que os judeus são capazes.
Mas isso é só a Primeira Página do periódico. As páginas internas reservam material ainda mais didático sobre a imaginação dos antissemitas venezuelanos que militam no chavismo. Um dos textosdiz que Capriles é vinculado à TFP, que por sua vez é “associada” do “lobby judaico” – ao qual oKikiriki atribui a propriedade dos principais bancos, meios de comunicação e indústrias tecnológicas e bélicas do mundo, com poder para nomear os principais ministros dos governos mais poderosos do mundo.
O melhor, no entanto, é o editorial. O texto questiona “por que a palavra Israel aparece milhares de vezes (na Bíblia), de ponta a ponta, e por que Deus prometeu umas terras e os nomeou (aos judeus) os membros eleitos sobre este planeta”. A resposta, afirma o editorial, é que “quem escreve a história se coloca como protagonista e como vencedor”, e a Bíblia é obra de judeus. E então o Kikirikiarremata:
“É preciso falar disso porque os judeus sionistas se apoderaram do dinheiro do mundo e de suas grandes corporações, bancos e empresas, assim como dos meios de rádio, TV e jornais e agora puseram os olhos na Venezuela. Capriles Radonski, bilionário, é filho de pai judeu e de mãe judia, razão pela qual é preciso estudar suas conexões internacionais e aprofundar sua história. Estaremos fodidos se os judeus chegarem ao poder – e quem tiver dúvida disso, que pergunte aos palestinos e aos árabes”.
Caso encerrado.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Primazia dos EUA: as (falsas) raizes militares - Marcos Guterman vs Paulo R. Almeida

Leiam primeiro esta nota, no blog de um jornalista geralmente arguto e bem informado:

O tamanho do abismo entre EUA e China
por Marcos Guterman
Blog Estadão, 20.abril.2011

Muito se diz sobre o novo poder chinês e seu triunfante avanço para destruir a hegemonia dos EUA. O siteChina-US Focus procurou comparar os números dos dois países no que diz respeito a um dos elementos essenciais da equação que resulta numa superpotência efetiva: o investimento militar. O resultado mostra que há um abismo entre chineses e americanos que nenhuma retórica antiamericana é capaz de superar. A seguir, as principais conclusões.
1) O orçamento militar chinês é de US$ 91,5 bilhões. O dos EUA é de US$ 663,8 bilhões. O orçamento militar americano é maior do que o orçamento militar combinado de China, Reino Unido, Alemanha, França, Japão, Rússia, Índia e Brasil.
2) Na defesa de seus habitantes, a China gasta US$ 70 per capita; os EUA gastam US$ 2.119 per capita.
3) A economia dos EUA é de US$ 14,6 trilhões, contra US$ 5,75 trilhões da China. Os EUA gastam 4,7% do PIB na área militar, enquanto a China gasta 1,4%.
4) A China tem 2.285.000 soldados, enquanto os EUA têm 1.580.255. Isso significa que a China tem o maior Exército do mundo, mas só em números absolutos. Em relação à população que deve ser protegida, a China tem 1 soldado para cada 585 cidadãos, enquanto os EUA têm 1 para 198.
5) A China gasta em média US$ 40,04 por soldado. Já os EUA gastam US$ 420,05.

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Meus comentários [PRA]:

Creio que esse tipo de comparacao é falho metodologicamente, e é falho historicamente.
Gastar mais não significa gastar bem, e sobretudo não garante supremacia no longo prazo.
Os EUA dispõem, hoje, e nas últimas seis ou sete décadas, da supremacia incontestável sobre o mundo, sendo o único país, repito, o único, capaz de projetar poder em dois ou três cenários de guerra simultaneamente, e de manter confrontos simultâneos com grandes poderes durante certo tempo. Isso não lhes assegura a primazia absoluta durante algum tempo, mas mesmo isso não seria uma garantia contra uma coalizão unida de outros grandes poderes atacando simultaneamente os EUA em diversas frentes.
O gênio da política americana, o seu sentido aroniano profundo, é o de manter divididos seus eventuais oponentes, e esforçar-se para que uma tal coalizão não se forme, o que era, aliás, o que fazia a Grã-Bretanha em relação à Europa durante a maior parte do seu predomínio econômico e militar "indisputável" (durou cem anos talvez, do final das guerras napoleônicas até a Primeira Guerra Mundial).
Mas se enganam aqueles que acreditam que a primazia americana se deve ao poderio militar, e ao gasto militar por soldado ou por habitante.
Os EUA são ricos e poderosos A DESPEITO do Pentágono, não por causa dele. Sua primazia tem muito mais a ver com a "professorinha de aldeia" do que com os supostos "gênios militares" do Pentágono, que, como os políticos em geral, são pagos para gastar o dinheiro do cidadão (geralmente mal).
Os que querem descobrir as raízes do predomínio americano tem de buscar outras origens, não o gasto militar, que é apenas o reflexo (enganoso) dessa primazia.
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Paulo Roberto de Almeida